Por que o legado de Chico Mendes é relevante, 33 anos após sua morte

Antropóloga Mary Allegretti conheceu Chico Mendes 1981

Nunca um tiro de espingarda ecoou tão longe e continua lembrado por tanto tempo. O que matou o seringueiro Chico Mendes, na boca da noite do dia 22 de dezembro de 1988, quando ele se preparava para tomar banho nos fundos de sua casa em Xapuri, uma pequena cidade na floresta amazônica no Acre, reverberou pelo planeta inteiro.

Quase instantaneamente, virou manchete nos principais jornais e destaque no noticiários da TVs de todo mundo.

Morto uma semana depois de seu aniversário de 44 anos, ocorrido no dia 15 – teria completado 77 anos neste ano -, Chico Mendes era um dos pioneiros da defesa da preservação da floresta amazônica e deixou um legado político e ambientalista que ainda perdura.

“Ele colocou a Amazônia no centro do debate e chamou atenção do mundo para sua preservação”, diz o hoje advogado e membro do Comitê Chico Mendes, uma organização não governamental ambientalista, Gomercindo Rodrigues, o Guma, que o conheceu em 1984, se tornou seu amigo e foi uma das últimas pessoas fora da família a ver o seringueiro com vida, poucos minutos antes de seu assassinato.

De acordo com outra amiga de Chico Mendes, a antropóloga Mary Allegretti, que o conheceu em 1981, quando era professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e fazia pesquisa para seu doutorado, como continuidade da que havia realizado para o mestrado em seringais do Acre, ele antecipou a relação entre sociedade e meio ambiente ao mostrar que as pessoas protegem este quando dependem dele para viver.

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“Se no passado, essa constatação era aplicada às populações tradicionais que viviam desses recursos, hoje as mudanças climáticas estão mostrando que toda a humanidade depende da natureza para sobreviver”, diz.

“Sua causa continua muito atual e necessária.”

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Para o biólogo e doutor em Ecologia Paulo Brack, do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da coordenação do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), o seringueiro do Acre teve um papel fundamental em dar maior visibilidade às causas comuns ambientais com a temática social, em especial das comunidades locais que sofrem das mesmas causas de um modelo econômico em grande parte degradador dos recursos naturais.

“Ele foi um exemplo de esforço pela unidade nas lutas comunitárias de grupos sociais, que desejam manter seus modos de vida digna, um bem viver talvez utópico, em maior harmonia com a natureza, desapegados da loucura pela acumulação reinante”, explica.

Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, nasceu em um seringal chamado Porto Rico, no município de Xapuri, pertinho da fronteira do Acre com a Bolívia, a 68 km da cidade mais próxima daquele país, Cobija.

Filho de seringueiro, seringueiro é – pelo era menos naquela época. Ele passou sua infância e juventude ao lado do pai colhendo látex da Hevea brasiliensis, o nome científico da seringueira.

Embrenhado na mata, sem escola num raio de quilômetros, Chico foi analfabeto até os 16 anos. O encontro que viria a mudar isso e a história posterior da sua vida ocorreu em 1956, quando ele tinha 12 anos.

Foi aí que ele conheceu o refugiado político Euclides Fernandes Távora, que havia participado, junto com o líder comunista Luís Carlos Prestes do chamado levante comunista em 1935, uma tentativa de golpe contra o governo do presidente Getúlio Vargas.

Fugindo da polícia, Távora se refugiou na floresta no Acre, justamente na região em que Chico vivia. O contato e a amizade com o ativista lhe abriram as portas do conhecimento, que, posteriormente, o levou à militância política e ambiental. Távora o alfabetizou e passou a ele ideias sobre o comunismo e noções sobre a história e a realidade social do Brasil.

Crédito, Reprodução

Chico Mendes foi morto em 22 de dezembro de 1988

Depois disso, mais instruído que seus companheiros seringueiros, Chico Mendes passou a pensar e se questionar sobre os problemas da sua região e, principalmente, de seu trabalho, baseado na extração da borracha, uma atividade econômica que historicamente sempre havia gerado conflitos e miséria na Amazônia.

Ela era alicerçada no chamado “aviamento”, isto é, na troca do látex coletado pelos seringueiros por produtos e mercadorias industriais. Era uma relação desigual, na qual os extrativistas sempre ficavam devendo.

Foi nesse contexto que começaram a serem criados os primeiros sindicatos de seringueiros no Acre, história na qual Chico esteve envolvido desde o começo.

Já em 1975, ele passou a integrar a diretoria do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Brasiléia, o primeiro criado no Acre, e que era presidido por Wilson Pinheiro.

Um ano depois, essa guilda criou as chamadas “pegadas” de desmatamento, em que armadilhas de borracha desmontavam os campos e paravam as motosserras dos pedestres camponeses encarregados de cortar a floresta.

Sem surpresa, esses movimentos desagradaram os donos de plantações de borracha, e por seu papel no sindicato, Pinheiro foi assassinado em 21 de julho de 1980.

Sua liderança, no entanto, não permaneceu vaga por muito tempo. Em 1983, Chico Mendes elegeu-se presidente da STR em Xapuri e continuou e intensificou a luta pelos direitos dos sanguessugas de borracha, além da luta pela defesa da selva e contra a ditadura.

De lá até seu assassinato, suas performances e prestígio cresceram, especialmente no exterior.

A antropóloga Maria disse que as pinturas políticas institucionais de Chico começaram um pouco antes.

“Em 1981, quando o conheci, ele já era vereador [ocupou o cargo de 1977 a 1982, na Câmara Municipal de Xapuri]”, diz.

“O Acre está passando por um momento crítico na promoção das antigas plantações de borracha para corporações do sul do Brasil, que começaram a cortar a floresta e expulsar os sangradores de borracha. Chicago liderou o movimento sindical, impedindo o abate e protegendo os meios de subsistência das pessoas que sangram borracha, fundada na coleta de borracha e nozes. “

Hoje, ela diz que ficou “muito impressionada” com as pinturas que fazia e o movimento das estampas, tanto que as ajudou.

“Chico então procurou organizar escolas e cooperativas para tirar a borracha do analfabetismo e ajudei a lançar o Projeto Seringueiros, abrindo as primeiras escolas da floresta”, lembra.

“Somos amigos maravilhosos como resultado deste projeto. “

Uma das consequências disso foi que, em 1985, os dois organizaram conjuntamente a 1ª assembleia nacional de armadilhas de borracha, em Brasília, da qual surgiu o conceito de reforma agrária das plantações de borracha – para proteger a floresta sem dividir as massas em famílias, mas como uma gigantesca reserva ambiental.

“Em 1986, criei o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) em Curitiba”, diz Maria.

“Trouxe advogados combinados e vários líderes de borracha e fiz a proposta de reserva de extração, uma unidade de conservação para uso sustentável e ajudei a criar as primeiras unidades. Chicago e eu mantivemos uma aliança política e amizade até 1988, quando ele foi assassinado. “A AIE continua a ajudar o movimento da armadilha de borracha amazônica. “

Crédito, André D’Elia

Angélica e Angela Mendes, neta e filha do sangrador de borracha

O dia em que Chico matou naquele ano não deixa Chiclete na memória.

“Eu estava com ele alguns minutos antes do golpe fatal”, diz ela.

“Viajei até o dia anterior, participando de uma assembleia de sanguessão de borracha em Sena Madureira [144 km de Rio Branco e 333 km de Xapuri], funcionando na organização regional do Conselho Nacional de Sangue de Borracha. Ele voltou para Rio Branco e aqui trabalhou na burocracia para liberar um caminhão que lhe havia sido concedido através do empréstimo do BNDES ao Conselho Nacional de Borrachas para ser transferido para a cooperativa Xapuri. “

Segundo Guma, Chico chegou em Xapuri no novo caminhão.

“As pessoas estão atordoadas”, lembra.

“Mas nem tudo de uma forma positiva. Há muito preconceito, em grande parte da cidade, contra o Chico, principalmente por causa de conflitos políticos. Ele é um ativista político e isso deu à cidade um departamento seguro. Quando ele chegou, eu estava muito preocupado, porque eu não tinha notado os homens armados em dias.

Aqui, Guma contextualiza sua preocupação. Ele disse que de maio a dezembro de 1988, todos os dias, na frente do sindicato, dois homens armados estavam estacionados o dia todo.

“Eles estavam lá, sentados na praça, à sombra de uma árvore”, disse ele.

“Além disso, havia dois homens armados também em frente ao posto onde eu morava, em Xapuri, que ficava a cerca de duzentos metros do sindicato, em alguma outra rua. E de repente eles foram embora.

Quando Chico Mendes chegou à cidade, ele perguntou a Guma como era o palco. Array respondeu que ele estava muito preocupado.

“Eu estava chateado, meu centro apertou e disse a ele que estava muito preocupado porque não via os homens armados”, diz ele.

Chico respondeu que no dia seguinte ele iria dar uma olhada na situação. Então, no outro dia 22 de dezembro, ontem à tarde, por volta das 18h. m. , fui ao seu espaço e o descobri jogando dominó, um de seus hobbies, com dois oficiais mantendo-o seguro. “

Chico o convidou para participar do jogo, mas Guma gostava de ficar de fora, pois estava decepcionado e preocupado.

Neste momento, a esposa do sapador de borracha do momento, Ilzamar, disse a ele que queria servir o jantar porque a novela estava prestes a começar.

“É uma quinta-feira, dia da penúltima falência do Vale Tudo, cujo maravilhoso mistério que matou Odete Roitman”, lembra o amigo.

“Chico me convidou para jantar, mas eu recusei, dizendo que ainda estava preocupado. Ele me disse que não tinha notado os atiradores também e que era estranho.

Guma disse que iria passear pela cidade e Chico reiterou o convite para jantar.

“Ele disse: ‘Então, vá embora, enquanto eu vou tomar um banho e voltar para jantar'”, lembra ela.

“Com minha bicicleta de 125cc, eu estava andando por toda parte, onde os homens armados estavam, adicionando uma fazenda onde eles tinham festas pessoais. Não descobri nada, tudo vazio, todo voado e silencioso. Eu não sei onde eu estava na cidade. Quando me bateram na moto, a mulher dele saiu gritando: ‘Guma, eles atiraram no Chico’. “

Enquanto o sapador de borracha estava sendo levado para o hospital “em uma van”, Guma saiu de casa para se armar.

“Peguei um revólver que tinha, carreguei, levei mais duas balas, coloquei em uma bolsa de ombro e fui para o hospital, mas eles não me deixaram entrar”, disse ele.

“Então eu liguei para as pessoas para que eles saibam. Liguei para Rio Branco, Brasília, Rio de Janeiro, Maria (Allegretti) em Curitiba, enfim, meus amigos, para que eles soubessem. “

Então Guma voltou para o hospital e desta vez eles o deixaram entrar, mesmo que ele estivesse usando shorts, e é por isso que ele foi preso pela primeira vez.

“Quando passei pelo corredor da frente do hospital, em um quarto ao lado, vi uma maca”, lembra.

“Rapaz, mendacidade só de shorts – você vai tomar um banho – com o lado direito do peito todo perfurado com chumbo. “

O ferimento no peito do sapador de borracha causado por uma espingarda calibre 20, com um cartucho carregado com pelotas espalhadas, atravessou Darci Alves, a pedido de seu pai, o garoupeiro Darly Alves, então conhecido por casos de violência em várias barracas. no Brasil.

O impacto geral foi tanto que, pela primeira vez, um homicídio foi tentado em um confronto agrário no norte do país e resultou na condenação do acusado.

Créditos, Getty Images

A luta pela preservação da floresta é básica para outras pessoas ligadas a Chico

Em 1990, os dois foram condenados a 19 anos de prisão, o que era sem precedentes na época.

Em 1993, Darci e Darly fugiram, mas foram recapturados em 1996. Três anos depois, devido a problemas físicos de aptidão, seu pai recebeu o direito de cumprir sua pena sob prisão espacial. No mesmo ano de 1999, o filho mudou para o regime semiaberto em Xapuri. Ao final de sua sentença, mudou-se para Brasília e um pastor evangélico.

As repercussões de seu assassinato têm explicações.

“Chico Mendes tinha uma formação política coerente sendo um radical e articulado defensor da luta do sangramento com a Igreja, os partidos políticos, a universidade, a imprensa”, explica Maria.

“Obviamente, ele tinha um conceito sobre a importância e o preço da floresta e lutou para proteger esse estado do preço da floresta em vez da exploração madeireira; foi ele quem primeiro expressou esse conceito que todos agora reconhecem como verdadeiros.

Por essa razão, atacou duramente no Acre, especialmente depois que seus conceitos se tornaram conhecidos e reconhecidos internacionalmente.

“No 1º Encuentro em Brasília, ele conheceu um documentarista radião em Londres, Adrian Cowell, que começou a filmar suas pinturas e lhe rendeu dois prêmios vitais. É por isso que ele se tornou conhecido em todo o mundo antes de ser conhecido no Brasil. por que sua morte teve tais repercussões estrangeiras.

Os dois prêmios a que Mary se refere são o Global 500, concedido a Chico em 1987 através da Organização das Nações Unidas (ONU), na Inglaterra, e a Medalha Ambiental da Sociedade Mundial Melhor, concedida em 1988 nos Estados Unidos.

Documentário de Cowell, eu quero Viver, lançado em 1987.

Com tudo isso, o sangrento de borracha e sua luta tornaram-se conhecidos em todo o mundo, o que atraiu cães e pesquisadores para plantações de borracha, espalhando seus conceitos por todo o planeta.

Se para os problemas globais e ambientais Chico Mendes deixou um legado político, para o círculo de parentes o legado dos ensinamentos e da vontade de lutar pelas mesmas causas.

Pelo menos para a filha de seu primeiro casamento, com Eunice Feitosa Mendes, de quem nasceu o único filho do casal – ele teve outros dois filhos com Ilzamar – Angela, que soube que estava grávida de Angélica Francisca Mendes Mamede no dia da missa. o sétimo dia do Dia dos Pais.

Para ela receber a notícia naquela época era muito estranho.

“De repente você perde um prazer, você sofre ao máximo e então você percebe que vai nascer”, diz ele.

“O global é algo assim, completo desses ciclos, que são naturais, mas nunca estamos em posição de perder ninguém. Ao mesmo tempo, a novidade da vida traz muita esperança, muita renovação. “

Em relação ao pai, com quem vivia apenas na adolescência, Angela diz que tinha qualidades que admirava e procurou tomar para si mesma.

“Um deles é o espírito coletivo, nunca fazer as coisas sozinhos, eles são fortalecidos quando são feitos coletivamente”, explica.

“Sempre em busca de ajuda e alianças, porque a luta pela preservação do meio ambiente, pela defesa da natureza, tem sido coletiva. Meu pai e seus parceiros já sabiam disso. “

Angela diz que Chico lhe deixou um legado de perseverança, luta, pensar nos outros e o bem não é incomum.

“É assim que é ser um usuário que sabe ouvir e, de certa forma, procurar soluções, procurá-los para localizar problemas imagináveis”, acrescenta.

“Ele nos deixou muitos ensinamentos, ele me deixou. Eu estou muito para ele, em fazê-lo juntos.

Para Angela, essas qualidades são essenciais, a luta de hoje permanece a mesma que no tempo de seu pai.

“É o mesmo para a conquista dos territórios e para sua consolidação”, explica.

“Embora mais de 30 anos depois, cerca de cem reservas extrativítidas já tenham sido criadas, muitas ainda não foram consolidadas, suas ferramentas de controle ainda não estão consolidadas. Estamos nos movendo lentamente nessa direção.

Sua filha Angélica, neta do sangrador, que é bióloga e ecologia e voluntária no comitê chico Mendes, diz que seu avô tinha uma palavra que ela nunca esquece.

“Ele costumava dizer que primeiro achava que estava lutando para salvar uma seringueira, então ele pensou que estava lutando pela floresta amazônica, e finalmente descobriu que eu estava lutando pela humanidade”, cita.

“Hoje, mais do que sabemos, você sabe que essa luta é global, que estamos falando de uma crise climática para todo o planeta, uma emergência que estamos vivendo. Vemos as consequências, como tornados, muitas secas excessivas, enchentes Eventos, em suma, estamos vivendo uma desregulamentação climática muito global, por isso seu combate é muito atual.

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