O vídeo do momento exato do transbordamento da barragem de Vallourec, em Minas Gerais, divulgado na noite de terça-feira (11), viralizou nas redes. Em pouco mais de dois minutos, é possível medir a magnitude da crise ambiental causada pela água e poeira que transbordou da Barragem lisa no último sábado (8). A causa do transbordamento, segundo a própria empresa, foi o deslizamento de uma rota adjacente à barragem, o aterro de Cachoeirinha, que foi precipitadamente maior em 2021 por meio de um processo de autorização menos difícil.
Conforme revelado pelo Observatório des Minas, em dezembro de 2020, Vallourec solicitou à Câmara de Atividades Minerárias (CMI), o quadro deliberativo do Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais (COPAM), a realização de uma assembleia ordinária planejada na Expansão do setor de resíduos forjados. O edital para o início de janeiro de 2021 foi apresentado em 30 de dezembro de 2020, a partir das 18h. m.
Como justificativa, a Vallourec alegou que, se a pilha não fosse ampliada, a produção da empresa teria de parar já no início de 2021, pois a estrutura havia alcançado seu limite máximo.
Membros da sociedade civil do CCM criticaram o curto tempo – cinco dias corridos – para reunir a documentação de 412 páginas da empresa sobre a ordem e, mesmo na época, alertaram para os perigos de expansão da pilha que caiu no último sábado.
A urgência solicitada por meio da Vallourec foi aceita por meio da CCJ – por 11 votos a favor e 1 abstenção – após parecer da Secretaria do Meio Ambiente (Semad), e a autorização foi posicionada conforme previsto na lei mineira, concomitantemente, com licença, instalação e exploração passadas ao mesmo tempo.
O procedimento de “autorização simultânea” de Vallourec para ampliar a pilha de Cachoeirinha só foi imaginável graças à deliberação normativa nº 217/2017 do Conselho Nacional de Política Ambiental, que simplificou os procedimentos de autorização ambiental em Minas Gerais. Embora publicada no final de 2017, a regra estava em discussão desde 2015, ano da tragédia de Mariana.
No Observatório des Minas, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e desenvolvimento Sustentável (Semad) informou, por meio de nota, que todas as etapas do procedimento foram realizadas por meio da Vallourec e que não foram identificadas irregularidades.
Para especialistas, no entanto, o problema está justamente no processo de licenciamento, que é insuficiente e inadequado.
Segundo a especialista em políticas públicas do Observatório do Clima Suely Araújo, a emissão das três licenças (Prévia, de Instalação e de Operação) de forma concomitante deveria acontecer apenas como exceção, e não como norma em casos de licitações de alto impacto ambiental em Minas Gerais.
“Licenças concomitantes reduzem a possibilidade de análise das alternativas tecnológicas e locacionais que, em regra, devem constar no Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), e também reduz a possibilidade de verificar se o que foi aprovado nesse estudo está sendo, de fato, executado”, explicou a especialista, a ((o))eco.
“Para que funcione esse tipo de opção processual, que beneficia, sim, o empreendedor, teria de haver equipes do órgão licenciador vistoriando sistematicamente o andamento das obras, o que sabemos que não costuma ocorrer pela carência de recursos humanos e financeiros que é a marca dos órgãos do Sisnama. Confiar nos responsáveis técnicos do empreendedor não é suficiente, como nos ensinaram as tragédias de Fundão em Mariana e da B1 em Brumadinho”, diz.
Segundo Suely, as normas da mineração deveriam fazer o caminho contrário da DN 217/2017 e se tornarem mais restritivas, como previsto no Projeto de Lei Federal nº 2.785/2019, que define normas gerais para o licenciamento ambiental de empreendimentos minerários no Brasil.
Segundo Julio Grillo, ex-superintendente do Ibama e representante da Promutuca no CCM, o desafio dos processos de autorização de mineração em Minas Gerais é sua fragmentação.
“A nossa legislação vem sendo facilitada para a mineração. O processo de licenciamento como um todo tem erros profundos. Por exemplo, foi permitido ao longo do tempo quebrar os empreendimentos em pedacinhos, com isso, você perde uma visão de conjunto. Você não pode licenciar o rebaixamento do lençol freático de uma cava sem entender os impactos daquilo sobre as águas superficiais e subterrâneas. O dia que parar a mineração aqui, teremos consequências terríveis do nosso sistema hídrico com um todo e a culpa vai ser sobre nosso sistema de licenciamento”, disse.
“Aquilo que foi aprovado foi um absurdo, mas a Semad não fez nada errado. Temos que questionar a forma como fazemos licenciamento hoje, mas isso não será conseguido enquanto tivermos o governo Estadual e Federal que temos hoje”, completa.
Minas Gerais tem um histórico de desastres ambientais e humanos com barragens de minérios. Segundo o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (GESTA/UFMG), somente de 1999 para cá, foram nove eventos, dentre eles o de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), que, juntos, provocaram cerca de 300 mortes.
O transbordamento do Dique Lisa, no último sábado, interditou a rodovia BR-040, causou a remoção de moradores e de cerca de 400 animais do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS) de Nova Lima, que tiveram de ser retirados às pressas do local. Uma família de cinco pessoas morreu em um deslizamento de terra em Brumadinho, após ter sido obrigada a desviar o caminho por conta da interdição da BR – 040.
O governo do Estado e a Vallourec atribuem o deslizamento na pilha de resíduos Cachoeirinha e o consequente transbordamento do dique às fortes chuvas que acometem o estado. Para o geólogo Klemens Laschefski, pesquisador da UFMG, não é bem assim.
“A chuva parece ser uma desculpa muito bem vinda para esconder os problemas técnicos, geológicos, de engenharia e do licenciamento ambiental da obra. A Deliberação Normativa 217/2017 inventou um aparelho de análise que não analisa nada. A Semad publicou uma nota dizendo que estava tudo certo. Mas houve erro, sim. Se o órgão funcionasse, não haveria tantos desastres, precisamos destacar isso. A melhor prova de que o sistema ambiental de Minas Gerais não funciona são os desastres, que estão se agravando”, disse o pesquisador, durante live sobre o assunto.
Para a ambientalista Maria Tereza Corujo, representante do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM) na CMI, a Câmara tem atendido unicamente aos interesses das mineradoras.
“Não há possibilidade dentro da Câmara de Atividades Mineiras de fazer um olhar crítico sobre os processos de mineração, pois ela foi construída e composta para permitir tudo o que a mineração quer. Há muitas evidências de que isso está acontecendo”, disse o ecologista. , também o debate online.
Por exemplo, ele citou o procedimento de autorização da mina nióbio em Araxá, que supostamente violou vários artigos da Lei Estadual nº 19. “Há uma máfia mineira dentro de todos os espaços que podem comprometer essas atividades [. . . ]
Segundo levantamento do jornal mineiro O Tempo, em 2014, último ano em que as pessoas jurídicas tiveram que doar para campanhas políticas, 70% dos deputados mineiros estaduais ganharam investimentos de mineradoras.
Diante dos danos causados pelo transbordamento da mina de Pau Branco, o governo de Minas Gerais condenou a Vallourec, nesta segunda-feira (10), a uma multa de 288 milhões de reais. A mineradora tem 20 dias para pagar ou prestar sua defesa aos órgãos ambientais.
A notificação também determina a suspensão imediata das atividades relacionadas à Pilha Cachoeirinha e ao Dique Lisa até que sejam apresentados documentos que garantam a estabilidade das estruturas.
Por ter sido considerada reincidente, a multa foi aplicada em seu valor máximo: em 2020 a Vallourec já havia sido multada por descumprir prazos no envio de documentação relativa a barragens de água.
Entre os danos no Auto de Infração estão a degradação paisagística e a fragmentação do habitat, contaminação de corpos d’água, com acúmulo de sólidos suspensos, além da possível morte de peixes e a eliminação e degradação de habitats aquáticos e ribeirinhos. O documento também aponta efeitos ambientais em dois complexos de conservação localizados no entorno do local onde ocorreu o transbordamento: a área de cobertura ambiental estadual ao sul do domínio metropolitano de Belo Horizonte (PA Sul RMBH) e o monumento municipal Serra da Calçada, em Nova Lima.
A magnitude dos danos ainda está sendo avaliada através dos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) e é possível que novas provas sejam emitidas apenas contra a empresa.
Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow… →