Boy Xavier: o filho psíquico de pessoas analfabetas que 50 milhões de libras

Menino em entrevista para o programa Pinga-Fogo, da extinta TV Tupi, em 1971

Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier (1910-2002), costumava dizer que “desencarnava” em um feriado brasileiro, para que sua morte fosse lembrada com tristeza.

Para os céticos, uma coincidência; para quem acredita, mas evidência do talento do médium: Xavier morreu há exatos 20 anos, mesmo domingo em que o Brasil venceu a Alemanha na final da Copa do Mundo e conquistou o pentacampeonato dos sonhos.

Ele tinha 92 anos e era uma personalidade bem conhecida no país. Filho de vendedor de bilhetes de loteria e lavador, ambos analfabetos, tornou-se o maior médium brasileiro, tendo escrito mais de 10 mil cartas psicografadas e se consolidando como dono de uma pintura de mais de 450 livros – cuja autoria foi atribuída aos espíritos. No total, vendeu cerca de 50 milhões de cópias.

Nascido em Pedro Leopoldo, pequena cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, Xavier ganhou notoriedade com a publicação de seu primeiro e-book: fenômenos de médio prazo já fazia parte de sua vida desde cedo.

Em 1932, enquanto ganhava a vida como vendedor e tecelão e publicava poesia em jornais – atribuindo os textos a autores falecidos – apresentou a antologia Parnassus pela Além-Túmulo, uma coleção de 60 poemas, assinados por nove poetas brasileiros, sendo 4 portugueses e um anônimo.

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A edição foi produzida pela Federação Espírita Brasileira. E o livro teve um impacto no mundo literário. “Eu tinha 20 e poucos anos e era uma criança do interior, uma criança do interior de Minas Gerais. Filho de pais analfabetos, que colocaram em papel poemas assinados com nomes como Castro Alves, Augusto dos Anjos. . . E diz: ‘São eles que escreveram, não sou eu'”, diz o jornalista e editor Marcel Souto Maior, editor de As Lições de Chico Xavier e As Lições de Chico Xavier, entre outros.

Crédito, CB/D. A Presse Archives

Chico Xavier aos 37 anos, um símbolo ainda daquele que o consagrou

“Era uma época em que ele, que já trabalhava em uma fábrica de tecidos, trabalhava 12 horas por dia diretamente como vendedor no armazém de um tio. Tive pouco tempo para ler e escrever exercícios”, diz Souto Maior. causou grande desconforto, atraindo o interesse dos principais escritores da Academia Brasileira de Letras. “

A equipe da BBC News Brasil lê alguns de seus relatórios

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Segundo o biógrafo, “95% dos escritores foram inspirados pela qualidade e versatilidade da escrita”, comparando alguns com textos escritos na vida através dos autores citados ali e localizando muitas semelhanças em estilo, métricas e temas.

“Foi uma influência muito forte. E isso levou os cães a Pedro Leopoldo, alguns interessados em desvendar esse enigma, outros antes de ‘desmascarar essa fraude'”, disse Maior. “Houve uma influência positiva e também um efeito negativo sobre as repercussões. “

Tal dicotomia tem assombrado Xavier toda a sua vida. “Por um lado, admiradores; por outro, uma profunda desconfiança”, disse o jornalista. “Mas em seus primeiros dias, eu vejo algo forte e interessante. figura bem conhecida e controversa.

E se ele ainda ajuda a manter uma vida inegável — três anos depois, ele toma uma posição como escriba-datilógrafo em uma fazenda de estilo ligada ao Ministério da Agricultura — a escrita torna-se inseparável de sua vida como meio.

É de certa forma essas pinturas literárias mediísticas que atraíram Souto Maior para o universo de Xavier. Ele lembra que na década de 1990, quando era vice-diretor de Cultura do Jornal do Brasil, ficou curioso para ver uma obra espírita que arrebatou a bilheteria no Rio de Janeiro. Foi Nosso Lar, baseado no best-seller de mesmo nome psicografado por Xavier.

“Eu ainda guardo o que escrevi mais tarde, no jornal, sobre a experiência, aquele universo em que Chico Xavier era o centro. Toda a fonte de receita de direitos autorais foi para a caridade”, relata o jornalista.

Xavier disse que os livros não pertenciam a ele. Que ele não tinha escrito nada, mas que eram obras dos espíritos. “Foi muito intrigante para mim. Por isso me mudei para Uberaba, mesmo sendo muito cético, muito incrédulo”, conta. .

É em um ambiente espírita da cidade do Triângulo Mineiro que o médium desenvolveu suas atividades.

Esse fascínio e todo aquele ar de mistério de Xavier fizeram dele a maior invocação do espiritualismo kardecista brasileiro. E foi isso que também atraiu muitos seguidores para a doutrina fundada na França no século XIX através do pedagogo Allan Kardec.

Crédito, Arquivo ou Cruzeiro/EM/D. A Press)

menino psicográfico

“Chico Xavier não era apenas o meio maravilhoso, mas todo o espiritismo brasileiro tomou outra cara após sua aparição. Ele não é apenas um meio carismático, ele é, antes de tudo, um estilo espírita exemplar, que também é um estilo espírita. Um exemplo de seguir e imitar em sua caridade, humildade e renúncia, não por acaso, temas do catolicismo”, contextualiza o filósofo e antropólogo Bernardo Lewgoy, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do ebook O Grande Mediador: Chico Xavier e da Cultura Brasileira.

“Ele nacionalizou o espiritualismo kardecista francês, criando uma escatologia nacional própria nos anos 30 e 40. Por outro lado, ele aproximou o velho elitista Kardecismo de pessoas mais fáceis, ele valorizava as mulheres como uma figura ativa em centros espíritas e no círculo de parentes. prática. de espiritismo”, acrescenta.

O antropólogo valoriza que Xavier se consagrou “como uma espécie de ‘santo informal’ do espiritismo”. uma leitura obrigatória nos centros espíritas brasileiros”, diz.

Um dos temas centrais do e-book O Grande Mediador é como Xavier controlava para popularizar o espiritismo em um país com fortes raízes católicas como o Brasil. “O espiritismo chegou ao Brasil no século XIX, quando o catolicismo era a fé oficial do Império”, disse Lewgoy. .

“Mas o catolicismo nunca foi homogêneo: em todos os momentos houve devoções populares e misturas sinéticas com outras religiosidades de origem indígena e africana. moeda atual dessa espiritualidade difusa abrigada do manto católico-popular”, avalia o pesquisador.

Lewgoy entende o espiritismo como “uma religião urbana”, que encontrou uma posição de expansão nos círculos profissionais desse fenômeno do êxodo pós-rural, por exemplo, entre médicos, militares e professores. Segundo ele, o apelo do festival mediistral em contato com parentes falecidos e práticas de caridade e cura, “em uma era de positivismo generalizado e evolucionismo é algo muito importante para este segmento”.

Para o antropólogo, “estabeleceu-se uma longa e invisível discussão sincromática, combinada com uma forte competição” entre o espiritismo e o catolicismo. Esta é a pista descoberta através de Xavier, um cara profissional na construção de “uma agenda nacional cristão-espiritualista, influenciada pelo catolicismo”.

“Seu discurso foi fundamentalmente cristão. E ele insistiu que a Igreja Católica era o berço de todos nós”, disse o jornalista Souto Maior.

Crédito, Valter de Paula/EM/D. A Press

Na década de 1990, um Chico já danificado ainda está ativo

A mãe de Xavier era católica e morreu quando o menino tinha apenas cinco anos. De acordo com alguns biógrafos, um ano antes ele já havia relatado ter ouvido vozes da vida após a morte. Quando ficou órfão, começou a “ter diálogos diários” com o que seria a mente de sua mãe.

Diante da estranheza dos membros do seu círculo familiar – ele acaba sendo criado através de uma madrinha retratada como uma mulher violenta, que o pune e chicoteia – seu conselheiro de anos de formação é um padre de sua cidade natal.

“Era essencial que Chico Xavier não fosse hospitalizado pelo pai como um louco quando começou a ouvir vozes e ter visões”, diz Souto Maior. “O padre disse-lhe para ter cuidado com o que ele disse, não para contar tudo. estava acontecendo. . . É por isso que ele teve um profundo respeito e gratidão pelo catolicismo. “

Foi só aos 17 anos que Xavier entrou em contato com a doutrina espírita kardecista, e assim inscreveu o que havia experimentado nas modalidades de uma doutrina.

Mas enquanto os livros ajudaram a sistematizar o legado de Xavier, são suas aparições na televisão que lhe renderam fama nacional. Sua aparição ao vivo na tela da televisão Tupi Pinga-Fogo em julho de 1971 é um marco.

Apesar de tudo, ele repetiu sua participação no final do mesmo ano e a sorte foi tanta que, de acordo com o método da época, 86% das televisões estavam sintonizadas no programa.

Na década de 1980, o dinheiro arrecadado com suas obras já havia sido suficiente para descobrir ou ajudar 2000 instituições de caridade em todo o país. Prêmio. ” A mobilização gerou 2 milhões de assinaturas”, diz o biógrafo Souto Maior.

Segundo o último censo, em 2010 existem 3,8 milhões de praticantes do espiritismo kardecista no Brasil. Como o antropólogo Lewgoy define, é “uma minoria muito prestigiada” e isso se reflete no incontável número de filmes, novelas e outros meios de comunicação. que representam o tema.

“O cristianismo evangélico tem uma clientela muito diferente da dos espíritas, que vêm das classes médias urbanas, com ensino médio e renda”, compara o professor.

Por outro lado, deve-se notar que o kardecismo, no Brasil, acabou tomando o nome de “espiritualismo”, como se não houvesse outras religiões espíritas, de origem africana e indígena, no país.

“Acho que houve essa discussão [do kardecismo com outras religiões] embora marcada pela condescendência e uma atitude de superioridade ética dos espíritas sobre as religiões de origem africana”, disse Lewgoy. “A disputa sobre a ‘propriedade’ e a legitimidade do uso do termo ‘espiritualista’ e a denúncia dos protestos da entidade Umbanda e do Candomblé nos centros kardecistas são sintomas de tensões de longa data nessa relação. “

– Este texto publicado em https://www. bbc. com/portuguese/brasil-61975677

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