A educadora e musicista Iara Viana, 37, conta que começou a se identificar como negra após vivenciar episódios de racismo na escola.
Maior grupo étnico e racial do Brasil, culpado por 47% da população, os brasileiros se autodenominam pardos em meio a uma batalha política.
Por um lado, a moção negra defende uma aliança entre negros e pardos para eleger candidatos de esquerda comprometidos com o combate ao racismo.
Por outro lado, as equipes conservadoras que se tornaram mais poderosas, o presidente Jair Bolsonaro, promovem a identidade marrom e acusam a esquerda de alimentar divisões raciais no Brasil.
Como os brasileiros de origem multirracial estão se posicionando nesse confronto?
O assunto é abordado no episódio do Brasil Partido, podcast da BBC News Brasil, transmitido nesta quarta-feira (20/09) no site da BBC, no canal da emissora no YouTube e em plataformas de áudio como Spotify e Apple Podcasts.
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Apresentado pelo jornalista João Fellet, o podcast analisa como outras equipes sociais, como evangélicos, agricultores e líderes do mercado financeiro, estão se posicionando diante dos conflitos políticos existentes.
Crédito, Getty Images
Cerca de cem milhões de brasileiros se identificam como pardos, segundo o IBGE
O podcast também busca perceber como os brasileiros atingiram o grau de departamento existente na política e há uma opção de discussão entre grupos divergentes.
O primeiro episódio foi sobre casais que buscam tratamento para lidar com conflitos políticos que ameaçavam descarrilar seu relacionamento.
Adaptação do premiado podcast da BBC “Things Fell Apart”, de Jon Ronson.
Episódios
fim do podcast
Segundo a última pesquisa nacional de padrões familiares do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2021, os pardos constituem cerca de cem milhões de brasileiros.
Eles constituem 47% da população brasileira, à frente dos brancos (43%), negros (9,1%) e da soma dos indígenas e amarelos (0,9%).
Mas quem são castanhas?
“O movimento negro estabeleceu que preto é equivalente à soma de preto mais marrom. Minha geração fez essa engenharia política, e a gente disse: tudo o que se diz lá que é marrom e preto, para nós é negro”, disse Sueli Carneiro em junho no podcast Mano a Mano, do rapper Mano a Brown.
Carneiro, 72 anos, é um dos principais ativistas negros do Brasil.
A definição citada pela ativista sustenta a narrativa de que os negros são a maioria no Brasil, já que negros e pardos, juntos, constituem 56,1% da população.
O discurso é sobre o conceito de que os pardos também têm ancestrais africanos e também sofrem com o racismo.
Essa visão foi oficialmente identificada em 2010, sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, quando o Congresso aprovou uma lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial.
O estatuto explicava a população negra como “a organização de outras pessoas que se autodenominam preto e pardo”.
Mas todos os pardos concordaram com a definição.
Crédito, Registro Pessoal
Leão Alves, fundador do Movimento Pardo Mestiço Brasileiro, que ingressou no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial em 2022
“Eu sou mestiço, eu sou negro. Sou marrom, sou negro”, disse o médico e ativista Leão Alves em junho em convenção organizada pelo Movimento Pardo Mestiço Brasileiro, em Manaus.
Fundado pelo próprio Alves, o movimento surgiu no início dos anos 2000 e passou quase 20 anos ao ar livre em grandes palcos onde raça e política são discutidas no Brasil.
Até a chegada de Jair Bolsonaro, a história do grupo prevaleceu, segundo disse Alves ao podcast Brasil Partido.
No início de 2022, pela primeira vez em sua história, a moção ocorreu em assembleia do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, quadro composto por entidades civis e órgãos governamentais que tem disposição do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos.
O conselho é propor políticas voltadas para a igualdade racial. O Movimento Pardo Mestiço se candidatou a uma vaga no conselho e sua candidatura foi aprovada pela então ministra Damares Alves.
Nascido em Manaus em 1966, filho de um pai zelador e de uma mãe cuidadora, Alves diz que pertence a um círculo de parentes fisicamente semelhante à grande maioria das famílias amazônicas.
Neste estado, o percentual de pardos na população é de 66,9%, o maior do país. E o Amazonas tem o menor percentual de negros no momento no Brasil, 3,2%, apenas 3% de Santa Catarina.
Isso porque a escravidão africana não é tão abundante na Amazônia como em outras partes do Brasil. No Amazonas, a principal organização escrava foi a dos nativos, que hoje representam 4% da população do estado.
Segundo Leão, os pardos “com o aparecimento de um caboclo” são a organização que sofre o preconceito racial máximo no Amazonas por se relacionarem com as classes mais pobres.
Na definição do dicionário Aulete, caboclo é o “mestiço do branco com o índio”, ou o “mulato de cobre e cabelo direto”.
Os negros, segundo Alves, estão relacionados através de muitos amazonenses às forças armadas, como muitos negros nascidos em outros estados servem como na Amazônia.
Crédito, SEMCOM MANAOS
Indústria popular em Manaus; O Amazonas é o estado com a maior população parda do Brasil (66,9%) e o momento com menor população negra (3,2%).
Uma das críticas de Alves à inclusão de pardos na categoria negra leva em conta a política agrária brasileira.
Alves argumenta que, como descendentes de povos indígenas, os Pardos d’Amazonas têm “direitos originais” sobre as terras que ocupam, direitos que, no entanto, a Constituição concede apenas aos povos indígenas.
O termo “direitos originais” refere-se a direitos anteriores à criação do Estado brasileiro e os povos indígenas foram a primeira população do território nacional.
No entanto, Alves afirma que, ao detectar a origem indígena dos pardos e tratá-los como negros após a Lei da Igualdade Racial, o Estado brasileiro se absteve de destinar terras ao grupo.
O médico também diz que os pardos como negros estimulam um embate entre negros e brancos na sociedade brasileira, enquanto a identidade marrom ou mestiça “homogeneiza e unifica” a nação, segundo ele.
Alves considera que qualquer usuário racialmente combinado, mesmo aqueles com pele muito macia ou muito escura, é marrom. Segundo ele, a grande maioria da população brasileira é parda.
O Movimento Pardo Mestiço é próximo dos partidos conservadores e defende a reeleição de Jair Bolsonaro.
Crédito, Biblioteca Nacional
Ativistas da Frente Negra Brasileira, uma das primeiras organizações negras do país, criada em 1931, no centro de São Paulo.
A trajetória de Alves vai contra um movimento que se tornou mais poderoso nas últimas décadas: o dos brasileiros que se tornaram negros, mesmo tendo ancestrais de outras raças.
É o caso de Iara Viana, educadora e musicista de 37 anos entrevistada pelo podcast Brasil Partido.
Nascida em São Bernardo do Campo, grande São Paulo, Viana conta que é filha de um homem branco e de “preto de pele clara” e frequentava escolas pessoais onde os negros eram raros.
Ela conta que, na adolescência, começou a se divertir com o bullying devido à “hipersexualização de mulheres negras de pele clara” e também episódios de racismo na escola. “Sente-se aí, cara macaco. “
Viana diz que, para se proteger, ela se tornou uma “adolescente cruel” e assedia outros colegas de classe.
Certa vez, quando a coordenadora ligou para Viana para repreendê-la, a jovem disse que culpou o controle da escola por nunca ter lutado contra o racismo que sofreu.
“Ela (a coordenadora) olhou para mim e disse: ‘Mas nem mesmo preto’. Desde então”, disse ele.
Apesar das perguntas, Viana se identifica como negro.
“Meu procedimento era: ‘Eu sofro de racismo. Aqui, outras pessoas dizem que eu não sou negro. Mas eu vivo isso aqui, eu vejo o que está acontecendo aqui, e eu vou desmaiar como um negro, então outras pessoas provavelmente não fariam isso comigo, eu acho que meus afro-descendentes. “
Para ela, “a consulta de marrom tudo inventado no Brasil através dos europeus para nos separar, para remover a força revolucionária da população negra brasileira”.
Viana vota em partidos de esquerda e defende a eleição de políticos negros na luta contra o racismo.
Crédito, Fondation Culturelle Palmarès
Clero africano aprova Estatuto da Igualdade Racial
No entanto, ao apontar o preto, Viana começou a enfrentar perguntas do outro lado, negros que não a viam como igual.
Ela diz que, em uma assembleia do movimento negro, uma mulher negra de pele escura a criticou por morar em Perdizes, uma comunidade rica, predominantemente branca, em São Paulo.
“Ela disse: ‘Você sabe como somos diferentes?'” Nossa diferença”, disse ele sobre ela, é que ela só fica na cozinha do espaço daqueles outros partridge, e eu posso no sofá da sala de estar. “
Viana diz que entende que, por ser de pele clara, ele nunca vai se deleitar com tanto racismo quanto negros.
“É por isso que eu não fico com raiva quando ele questiona a minha escuridão. Isso só não significa que sentar naquele sofá também não sofra racismo”, diz ela.
crédito, Reuters
Protestos black lives matter unem outras pessoas de outras raças.
O podcast Brasil Partido conta as trajetórias de Leão Alves e Iara Viana com o arquiteto baiano Zulu Araújo, um dos grandes nomes do movimento negro brasileiro.
Araújo, 70 anos, chefiou o Grupo Cultural Olodum, uma das principais organizações culturais afro-brasileiras, de 1990 a 1994, e de 2007 a 2010 presidiu a Fundação Cultural Palmares, quadro federal culpado de difundir a cultura negra brasileira.
Questionada sobre os episódios em que Iara Viana disse que questionou sua escuridão através de outros ativistas do movimento negro, ela respondeu:
“Um dos graves equívocos que o movimento negro tem é que parte de seu ativismo acredita no racismo, ou seja, a cor da pele se torna um detalhe básico para definir a militância, para definir aqueles que têm, ou têm, mais destaque na luta. “
Araújo diz que “o que queremos no Brasil é um movimento antirracista”.
Para ele, o movimento negro terá que continuar existindo, porque é composto por “aqueles que sofrem discriminação diretamente na pele, na alma, no coração”.
“Mas, do ponto de vista político, não podemos abandonar aqueles que podem acabar com a discriminação e o racismo no Brasil. “
Segundo ele, o movimento antirracista deve “incorporar brancos de todos os tons, negros de todas as tonalidades, desde que sejam antirracistas”.
Cobrança de Crédito
Zulu Araújo, 70 anos, baiano, um dos primeiros negros brasileiros a se formar em arquitetura no país.
Alves também comentou sobre as perspectivas do movimento Mestizo Pardo. Segundo ele, ao valorizar a identidade marrom e o conceito de que quase todos os brasileiros são mestiços, a organização ignora que o racismo no Brasil é basicamente baseado no fenótipo (aparência) das pessoas.
“Eles te discriminam muito mais porque você parece um africano, por causa da cor da sua pele ou por causa de suas fenotípicas características, como um nariz liso, lábios grossos, cabelo mais enrolado”, diz ele.
Segundo essa lógica, Alves argumenta que, embora a maioria da população brasileira seja multirracial, outras pessoas com características físicas relacionadas à escuridão são mais discriminadas do que outras. Daí a impertinência de todos os Métis como parte do mesmo grupo, diz ele.
Alves tem reservas sobre a organização fundada através do Leão Alves.
“Minha reclamação sobre esse movimento dos Pardos é que, na verdade, eles estão muito mais focados em combater aqueles que lutam contra o racismo e a discriminação do que na venda da igualdade”, diz ele.
– Este texto publicado em https://www. bbc. com/portuguese/brasil-62812987
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