Lula com o venezuelano Hugo Chávez em 2010 e Bolsonaro com viktor Orbán da Hungria em 2022
O namoro do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com governos considerados autoritários na América Latina, como Cuba, Venezuela e Nicarágua, amplamente explorados na cruzada presidencial por meio de seu adversário, o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Por outro lado, críticos do atual presidente o acusam de hipocrisia nesses ataques a Lula, porque seu governo privilegia relações com países que não são democráticos, como o regime de extrema-direita na Hungria ou a monarquia absolutista na Arábia Saudita.
Críticos de Bolsonaro também dizem que seu governo tem flertado com medidas autoritárias típicas de ditaduras, como a preferência por aumentar o número de juízes no Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir uma maioria favorável na corte, movimento que tem sido seguido tanto na Venezuela quanto na Venezuela na Hungria.
Entenda melhor a relação entre Lula e Bolsonaro com governos considerados autoritários e os perigos que isso representaria em um novo governo do PT ou em um mandato momentâneo do atual presidente.
“Se o PT voltar, o Brasil será uma Venezuela” – esse conceito de que o Brasil seria uma ditadura e entraria em uma grave crise econômica e social, como a que o país comandava por Nicolás Maduro, se o partido de Lula se impor novamente no Brasil, tem se repetido insistentemente através de Bolsonaro e seus apoiadores desde a disputa de 2018. em que o atual presidente derrotou o candidato do PT, Fernando Haddad, no turno até agora.
Nas eleições deste ano, a “ameaça venezuelana” foi acompanhada pela “ameaça da Nicarágua”, ou seja, a narrativa bolsonarista que Lula adotaria em seu governo medidas semelhantes às do governo autoritário de Daniel Ortega, que comandou o país. desde 2007 e perseguiu grupos de oposição, juntando-se aos católicos.
A ação do governo nicaraguense contra o segmento devoto se intensificou a partir de 2018, quando os manifestantes da Igreja Católica reprimiram duramente o governo em atos contrários à reforma da previdência, um episódio que deixou muitos mortos no país. Desde então, vários membros da Igreja foram forçados a deixar a Nicarágua, como o núncio apostólico, o equivalente a um embaixador da Igreja Católica. O bispo Rolando Alvarez, um proeminente crítico do regime de Ortega, foi preso.
A cruzada de Bolsonaro usou o exemplo da Nicarágua para dizer que Lula pretende suprimir a liberdade de culto e igrejas no Brasil.
No entanto, não há provas para a acusação de que Lula e o PT perseguem católicos ou outros grupos devotos, como evangélicos.
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O casal governante da Nicarágua: o vice-presidente Rosario Murillo, 71, e o presidente Daniel Ortega, 76.
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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou a ordenar em 18 de outubro que as postagens do Twitter e do Instagram dos aliados de Bolsonaro com esse conteúdo. A resolução chegou às publicações dos deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP) e de Minas e Energia, Adolfo Sachsida.
“As publicações com a intenção de melhor amigo e maliciosamente transmitem a mensagem de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva é um dos melhores amigos políticos do ditador nicaraguense Daniel Ortega e, portanto, apoia as práticas ilícitas que pratica, como a perseguição aos cristãos e a tortura”, lê-se na decisão do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Acadêmicos entrevistados pela BBC News Brasil apontam que a história dos governos do PT não mostra tendência no componente componente a ações autoritárias, como as seguidas em países como Nicarágua, Venezuela e Cuba, por exemplo.
Por outro lado, dizem eles, a falta de denunciações duras de Lula e seu povo pelos abusos desses governos acaba sendo explorada através da campanha bolsonarista.
“O PT tem uma história, desde a década de 1980, de se relacionar com partidos de esquerda mais moderados em outros países, que adotam um programa semelhante de agendas progressistas e políticas de redistribuição de renda na América Latina”, disse Holzhacker, professor de relações internacionais da ESPM-SP.
“Por outro lado, os líderes do PT têm encontrado dificuldades para desafiar essa ala da esquerda autoritária latino-americana. A cruzada de Bolsonaro agora”, acrescentou.
No caso da Nicarágua, por exemplo, o PT tem uma história de relações inteligentes com Ortega por sua liderança na Revolução Sandinista, um movimento popular de esquerda que derrubou a ditadura de Somoza em 1979, o círculo de parentes que governava o país. por mais de 35 anos. Anos. . Ortega foi eleito presidente pela primeira vez em 1984 e governou até 1990 sob forte oposição dos Estados Unidos, que apoiavam Somoza.
Após ser reeleito em 2007, ele começou a governar de forma autoritária e controlou a substituição dos regulamentos do país para permitir a reeleição por tempo indeterminado.
Em 2021, ele conquistou um quarto mandato, mas o processo eleitoral foi duramente criticado pela comunidade estrangeira, que o chamou de “antidemocrático”, “ilegítimo” e “sem credibilidade”. Eles não podiam correr.
Lula já se manifestou em defesa da democracia na Nicarágua, mas ele e seu partido repudiaram mais duramente a ditadura de Ortega.
“Se eu puder dar alguns conselhos a Daniel Ortega, eu daria a ele e a qualquer outro presidente: não renuncie à democracia, não impeça a proteção da liberdade de imprensa, da comunicação, da expressão, porque é isso que promove a democracia”, disse ele em agosto do ano passado em uma entrevista a um canal mexicano.
No entanto, em novembro de 2021, o PT publicou uma nota comemorando a terceira reeleição de Ortega, assinada por Romanio Pereira, secretário de Relações Exteriores do partido. No texto, a legenda descreve a eleição como uma “grande manifestação popular e democrática” e afirma que o resultado confirma “a vontade da população para uma atribuição política que tem como principal objetivo a estruturação de um país socialmente justo e igualitário”.
Pouco depois, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, repudiou a nota e reforçou a posição do partido pró-democracia em um post no Twitter, mas denunciou diretamente Ortega.
“A nota sobre as eleições na Nicarágua não foi apresentada à liderança do componente. A posição do PT em relação a qualquer país é a defesa da autodeterminação dos povos, contrário à interferência externa e ao respeito pela democracia, no componente do governo e da oposição. Nossa prioridade é falar sobre o Brasil com o povo brasileiro”, tuitou Hoffmann.
Por sua vez, o presidente do PT apoiou as declarações de partidos favoráveis aos regimes da Venezuela e de Cuba, dois países em que não há alternância de forças há décadas e cujos governos são acusados de perseguir a oposição.
No caso cubano, emitiu um memorando apoiando a versão do governo, que desacreditou os protestos da oposição do ano passado como se fossem atos promovidos pelos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o PT manteve-se em silêncio sobre as alegações de abusos na repressão dos manifestantes. .
De acordo com a organização de direitos humanos Human Rights Watch, protestos não violentos foram reprimidos com prisões abusivas. “Na maioria dos casos documentados, os detidos foram mantidos incomunicáveis por dias, semanas e meses, sem acesso a telefonemas ou visitas de familiares ou advogados. . Alguns foram espancados, forçados a se curvar nus ou submetidos a maus tratos, adicionando privação de sono e outros abusos que, em alguns casos, equivalem à tortura”, lê-se em um relatório da organização.
Segundo o professor de história da USP Lincoln Secco, que acompanha muito o PT há muitos anos, dois elementos da proximidade que o partido tradicionalmente mantém com as forças de esquerda em outros países.
Ele explica que o PT segue a cultura da esquerda internacionalista, que entende que funcionários de outros países só têm interesses locais, mas convergem em sua resistência contra a exploração de categorias dominantes em outros países.
“Portanto, é geral que os partidos social-democrata, comunista, socialista e trabalhista tenham ligações no exterior”, disse Secco.
Um aspecto momentâneo, ressalta o professor, é o fato de que a esquerda na América Latina é tradicionalmente guiada pelo anti-imperialismo.
“E o anti-imperialismo também acaba levando a uma política externa de ligação com outros povos que acredita que está lutando contra o mesmo inimigo, que seriam os Estados Unidos, especialmente quando intervém em outros países ou apoiam golpes de estado. . . “, acrescenta.
Segundo Secco, em seus primórdios o PT tinha correntes revolucionárias, com viés marxista ou socialista, “o partido marchava em direção à defesa da democracia como um valor universal”. Por outro lado, a legenda também é guiada pelo preceito da “autodeterminação dos povos”, que defende não se intrometer nos assuntos internos de outras nações.
Essa é uma visão que, obviamente, surge da resposta que Lula deu a Bolsonaro no debate da TV Bandeirantes, quando foi questionado sobre a Nicarágua: “Quem se considera indispensável, insubstituível, um ditador começa a nascer. Então, se Daniel Ortega estiver errado, os outros nicaraguenses punem Daniel Ortega, se Maduro estiver errado, punam os outros; porque você vai punir os outros brasileiros, em 30 de outubro, se preparem”, disse o PT.
Para o historiador, se a ausência de uma dura denúncia do PT em relação aos governos autoritários da esquerda deixa espaço para reivindicações contra o partido, a história dos governos do PT de que uma nova gestão de Lula não representa uma ameaça à democracia.
“O PT já governou o Brasil por quase 4 mandatos consecutivos e já deu provas suficientes de que é um partido da ordem democrática e um partido que exige situações dessa ordem no Brasil”, disse Secco.
O presidente de moldagem controlava a formação de uma ampla aliança oposta a Bolsonaro nesta eleição porque os partidos beligerantes do PT veem sua vitória como uma defesa da democracia. É o caso da senadora Simone Tebet (MDB), que ficou em terceiro lugar no primeiro turno presidencial, e geraldo Alckmin (PSB), candidato a vice-presidente na lista de Lula.
Ao atacar Lula e o PT por sua relação com governos autoritários de esquerda, Jair Bolsonaro tem priorizado outras nações lideradas por líderes antidemocráticos em sua política externa.
O atual presidente entrou em conflito direto com nações democráticas com as quais o Brasil tinha relações inteligentes, como França, Alemanha e Noruega, por causa da pressão que tem enfrentado desses governos pela preservação da Amazônia. Por outro lado, ele teve relações com a Hungria, cujo primeiro-ministro, Viktor Orbán, foi um dos poucos líderes europeus que ele brindou em sua posse em 2019.
Desde que entrou em vigor, em 2010, Orbán ganhou força através de uma virada autoritária que começou no Judiciário e no Legislativo, se espalhou para a imprensa e chegou às escolas. Em pouco mais de uma década, o primeiro-ministro substituiu muitos juízes húngaros por aliados, substituiu a lei eleitoral em benefício de seu partido, transformou muitos jornais independentes em máquinas de propaganda estatal, e até reimprimiu livros de história com conteúdo rotulado de xenófobo.
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Protesto do lado de fora do Parlamento húngaro em julho de 2021 contra a aprovação da legislação anti-LGBT: homossexuais são alvo do avanço do autoritarismo no país
Na opinião de Kim Lane Scheppele, professora de sociologia e relações exteriores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Orbán está chamando a atenção da extrema direita por ter conseguido incorporar uma espécie de “ditador do século XXI”, que devora estabelecimentos democráticos de dentro, discretamente, através da lei.
O círculo de parentes de Bolsonaro vê a Hungria de Orbán não apenas como um aliado, mas um exemplo a seguir. O presidente, que adiou a escala que pretendia fazer em 2020 devido à pandemia covid-19, estava no país em fevereiro deste ano.
“Eu na Hungria e nesse precioso Orbán, a quem trato quase como um irmão, dadas as afinidades que temos de proteger nossos povos e integrá-los”, disse Bolsonaro na ocasião.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) venceu o primeiro-ministro húngaro em Budapeste em abril de 2019. Em junho deste ano, o filho do presidente proferiu a conferência “Hungria, um exemplo a seguir” na conferência conservadora CPAC Brasil 2022, na qual elogiou as políticas de Orbán.
A interferência no STF é uma das políticas de Orbán que Bolsonaro pretende rever para implementar no Brasil.
O primeiro-ministro húngaro elevou o número total de juízes no Tribunal Constitucional de 11 para 15 e nomeou todos os ocupantes dos 4 novos assentos. Uma proposta já foi defendida com autoconfiança por aliados do presidente, como o vice-presidente Hamilton Mourão, eleito senador, e o atual chefe de governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP).
“Essa proposta já chegou até mim e eu disse que só falarei sobre isso depois da eleição. Acho que o STF está exercendo ativismo judicial que é ruim para todo o Brasil”, respondeu Bolsonaro, sem minimizar a ideia, quando questionado sobre o assunto no início de outubro.
Segundo a professora Denilde Holzhacker, a política externa brasileira tem se comprometido com a democracia em todo o mundo desde a redemocratização do país na década de 1980. Segundo ela, o governo Bolsonaro se afastou desse preceito ao favorecer uma aliança ideológica com nações governadas pela extrema direita. , como a Hungria e a Polônia.
“O argumento de Bolsonaro de que esse namoro é baseado no pragmatismo é fraco quando se olha para países onde o Brasil não tem encontros econômicos maravilhosos, mas porque há uma afinidade entre calendário e posições ideológicas”, disse.
Perseguição aos cristãos na Arábia Saudita aliada
As relações inteligentes estabelecidas através do círculo de parentes de Bolsonaro com o governo saudita também são alvo de críticas. Seu círculo de parentes governa. Desde sua morte em 1953, vários de seus jovens o sucederam.
Acompanhado de seu filho Eduardo Bolsonaro, o presidente se reuniu com Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, na assembleia do G20 no Japão, em junho de 2019, e depois visitou o país no final do ano, argumentando para atrair investimentos sauditas para o Brasil.
“Temos uma reunião de negócios esta tarde. Todos adorariam passar uma tarde com um príncipe. Especialmente vocês mulheres, certo? Tenho uma afinidade com o príncipe. Especialmente depois da assembleia em Osaka”, disse Bolsonaro a jornalistas durante a visita. O país.
Enquanto o círculo de parentes do presidente do Brasil denuncia a perseguição aos católicos na Nicarágua, faz vista grossa para a opressão ainda mais dura sofrida por essa organização devota na nação aliada.
De acordo com a organização cristã estrangeira Open Doors, a Arábia Saudita é o décimo primeiro país do mundo com a maior perseguição aos cristãos. A Nicarágua não está na lista, que visa principalmente os cinquenta países com maior grau de opressão a este segmento dedicado.
De acordo com o relatório mais recente da organização, na Arábia Saudita, “cristãos estrangeiros estão proibidos de compartilhar sua religião e se reunir para adorar” e “qualquer ação comum pode resultar em prisão e deportação”. A Open Doors também afirma que “os recursos da perseguição aos cristãos na Arábia Saudita são: funcionários do governo, líderes de organizações étnicas, líderes não cristãos devotos, cidadãos e gangues, parentes, organizações devotas violentas”.
A repressão é limitada aos cristãos, mas afeta qualquer voz que critique o governo, a Human Rights Watch disse: “Em 2021, o governo saudita prendeu arbitrariamente, tentou e condenou dissidentes não violentos. Dezenas de defensores e ativistas de direitos humanos continuaram a enfrentar longas sentenças criminais. por criticar funcionários ou defender reformas políticas e de direitos”, diz o relatório de 2022 da organização.
“A Arábia Saudita anunciou reformas vitais e obrigatórias em 2020 e 2021, mas a repressão contínua e os direitos básicos são os principais obstáculos para o progresso da reforma”, diz o documento.
Entre os crimes cometidos pelo governo saudita contrários aos seus críticos, o assassinato em outubro de 2018 do jornalista Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul, turquia, ganhou especial notoriedade.
Um tribunal saudita condenou mais cinco pessoas à morte e prendeu outras três no final de 2019 pelo assassinato do jornalista, em um julgamento descrito como uma “farsa” pela relatora especial da ONU Agnes Callamard. investigado pelo crime.
Ele negou qualquer envolvimento no assassinato. No entanto, em outubro, o príncipe Salman disse que havia assumido o dever total do crime como líder na Arábia Saudita, especialmente desde que foi cometido por americanos que concorrem ao governo saudita.
Acusado no Twitter de sua proximidade com um homem que enfrenta duras acusações, Eduardo Bolsonaro defendeu a aliança com a Arábia Saudita.
“A Arábia Saudita é um regime clássico que está passando por reformas de modernização e está gradualmente caminhando para uma maior liberdade e mais convivência não violenta com outras culturas e religiões. Estou orgulhoso de nossos aliados neste processo de abertura e modernização”, tuitou em março. 2021.
– Este texto publicado em https://www. bbc. com/portuguese/brasil-63433048
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