Depois do que Pelé fez na Copa do Mundo de 1958, ninguém se atreveu a questionar a presença de negros na seleção, ao jornalista Marcos Guterman
Quando Pelé brilhou ao vencer sua primeira Copa do Mundo em 1958, o Brasil estava em lua de mel consigo mesmo, disse o jornalista Marcos Guterman à BBC News Brasil.
Autor do e-book Futebol explica o Brasil, Guterman diz que o país vive uma efervescência cultural maravilhosa: a bossa nova, um ritmo brasileiro, conquistou os ouvidos do global, e a estrutura de Brasília projetou para o global um país que buscava deixar de ser marginal. . .
No futebol, o otimismo sobre o futuro do Brasil é ainda mais antigo: remonta à Copa do Mundo de 1938, na França, onde a equipe terminou em 3º lugar, até então seu papel mais produtivo no torneio.
“Em 1938, o Brasil surpreendeu a Copa do Mundo e a si mesmo, e emergiu desta Copa como um país do futebol, seguindo definitivamente o futebol como seu esporte nacional, corroendo as esperanças do Brasil de deixar a borda externa da Copa do Mundo para se mudar para o centro, com seu crescimento. potencial e tudo isso”, diz Guterman.
Ele afirma que o Brasil pretendia sediar a próxima Copa, em 1942, mas os planos foram implementados até 1950, quando duas edições do torneio foram canceladas devido à Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
“O Brasil terminou o Maracanã em tempo recorde e nasceu com o conceito de um país que pode deixar de ser marginal, deixar de ser colônia e se tornar protagonista, e o futebol foi o veículo para essa afirmação nacional”, disse Guterman.
Com o Brasil se classificando para a final do torneio, a profecia chegou perto de se cumprir. Mas a vitória não veio: em uma das ocasiões mais traumáticas da história do esporte brasileiro, o time perdeu a última partida do campeonato contra o Uruguai, por 2 a 1.
A derrota lhe rendeu, inclusive, o apelido de Maracanaço, em referência ao estádio que sediou a partida.
O resultado afastou um acordo com orgulho nacional, diz Guterman. Mas mais do que isso: a derrota gerou reações racistas na população.
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Seleção Brasileira na Copa do Mundo FIFA de 1958; Pelé é o terceiro, da esquerda para a direita na foto.
João Fellet procura como os brasileiros alcançaram o grau de divisão existente.
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Em O Negro no Futebol Brasileiro, safra da literatura esportiva nacional, em 1964, o jornalista Mário Filho diz que Barbosa, Juvenal e Bigode, 3 atletas negros, foram injustamente responsabilizados pela derrota do Brasil na final.
“Outros negros sofreram muito nessa era de caça às bruxas. Alguns disseram que havia muitos negros na equipe, o que condenou a equipe ao fracasso”, disse Guterman.
Quatro anos depois, poucos negros foram convocados para a equipe que disputou a Copa do Mundo de 1954. Visualmente, esse time lembra os primeiros grupos brasileiros a participar de torneios de futebol, nas décadas de 1910 e 1920, quando vários jogadores eram jovens europeus. . Imigrantes
Até que um jovem de 17 anos chamado Pelé foi chamado para a seleção que disputaria a Copa do Mundo de 1958, na Suécia.
“Pelé tinha acabado de começar no Santos e foi um protagonista maravilhoso da Copa, marcando um gol impressionante na final e sendo coroado rei do futebol, primeiro através do (escritor) Nelson Rodrigues e depois pelo mundo”, disse Guterman.
Depois do que Pelé fez na Copa do Mundo de 1958, ninguém se atreveu com a presença de negros na seleção, diz o jornalista.
Para Guterman, Pelé representa “uma espécie de redenção para os brasileiros negros na seleção brasileira”, mas também uma redenção para os brasileiros negros em geral.
O jornalista que, além de ser o primeiro a dar o nome de “rei” a Pelé, Nelson Rodrigues elogiou a identidade negra do atleta.
“Nelson Rodrigues Africaniza Pele. No trata Pelé como qualquer outro homem. Ele é um negro africano em toda a sua majestade, como se fosse um príncipe africano”, disse.
Não que Pelé seja o primeiro negro a se destacar no futebol brasileiro; antes dele, estrelas como Leônidas da Silva e Friedenreich, por exemplo.
“Mas nenhum deles tinha o comprimento de Pelé, obviamente ele planeja a corrida”, disse Guterman.
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Para o jornalista, Pelé parecia o arranjo entre ser negro e ser inteligente no futebol.
Mas a sorte de Pelé não foi acabar com o racismo no Brasil e, paradoxalmente, ter reforçado o conceito de que o jogo é uma das poucas táticas para levantar os negros no Brasil, diz Guterman.
O próprio Pelé, segundo o jornalista, está desconfortável com essa associação.
“Ele tem sido fortemente criticado por não abraçar a causa negra como, digamos, (o boxeador americano) Mohammed Ali, mas acho que ele se afastou porque não precisava fortalecer o acordo entre ser negro e ser bom no futebol. Estava tudo bem, ponto final, e ser negro não fazia diferença”, diz.
Da mesma forma, as 3 Copas que o Brasil ganhou quando Pelé Pro (1958, 1962, 1970) não foram acompanhadas pela ascensão do país às fileiras das potências mundiais, diz Guterman.
“Na época, realmente acreditávamos que era imaginável expandir 50 anos por 5, como disse Juscelino Kubitschek. Então chegamos aqui em 1964”, disse o jornalista, referindo-se ao golpe militar que manteve o Brasil sob um regime ditatorial até 1985.
– Este texto publicado em https://www. bbc. com/portuguese/brasil-64122265
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