“Quem é o músico aí?”: a cultura como uma e a inadequação da fórmula da justiça corrupta no Brasil

Por Yolanda Gaffrée Ribeiro, INCT/InEAC* – A pergunta “quem é o músico de lá?”, feita por meio de um policial judicial que procurava um jovem músico negro, então morador da cidade de Niterói, então com 23 anos, antes da precaução ele, entre os demais detentos, que seria solto do presídio onde ficou preso por cinco dias, pelas acusações de roubo ocorrido 3 anos antes (Diário, Revista Piauí, 10/2020). Em setembro de 2020, o jovem se aproximou da rodoviária no centro de Niterói, com uma organização de amigos, quando passou pelos policiais que o levaram até a delegacia e, uma vez lá, avisou que seria preso. O motivo? Um pedido de prisão foi aberto em seu nome com base em um reconhecimento fotográfico realizado na sede da polícia em 2017.

A prisão de Luiz Carlos Justino foi amplamente divulgada através da imprensa escrita e televisiva. No dia 5 de setembro de 2020, o Jornal da Record/R7 da Rede Globo e a RJ TV transmitiram o protesto do círculo de familiares e amigos em frente ao complexo criminal do Benfica, na cidade. Na ocasião, seus colegas do Espaço Cultural da Grota (ECG), comissão cultural da qual faz parte desde os seis anos de idade, organizaram a manifestação que desafiou “ao som de violinos, a prisão do jovem músico” (Journal du Record, 09/05/2020). Além do amplamente divulgado evento de imprensa, a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e advogados pessoais também intervieram no caso.

O caso de Luiz Carlos, assim como outros que ganharam destaque nos últimos anos, ampliaram o debate que os pesquisadores do InEAC têm mantido sobre a popularidade das pessoas como prova em processos criminais. Em julgamento de outubro de 2020, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) declarou a nulidade da publicidade não pública ou fotográfica por violação do procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal (6ª Elegância – HC nº 598. 886), o que até então era entendido pelo próprio STJ como mera irregularidade, ou seja, mesmo que acompanhada de outras provas produzidas, O procedimento rejeita o recebimento da denúncia, a medida de prisão preventiva e a condenação do acusado.

O STF também se posicionou em casos que questionam a validade da popularidade da foto, devido à sua máxima escolha de erro, argumento citado pelo próprio juiz André Nicollit em sua resolução que concedeu ao músico permissão para divulgar (TJ/RJ, 20/09/20). Em 2021, o CNJ criou uma organização em execução com o objetivo de propor regras sobre a popularidade de pessoas em processos criminais (Portaria CNJ nº 209/2021) e, em dezembro de 2022, editou uma solução que constrói regras para alcançar a popularidade de pessoas em processos e processos criminais (Resolução CNJ nº 484, de 19/12/2022).

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia se pronunciado sobre um cenário envolvendo a convocação de Luiz Carlos, quando sofreu um momento de prisão, em 2022. Nessa circunstância, o último mandado de prisão foi aberto, o músico foi absolvido. Dos autos, em setembro de 2021. In nota, o CNJ indicou que estava investigando por que o mandado de prisão ainda estava ativo em sua Superintendência Nacional1. Nesta ocasião, pelo menos, o músico foi liberado após oferecer explicações à delegacia. .

Mais uma vez, a mídia impressa e televisiva marcou o fato. Uma das reportagens do Caderno Rio/O Globo menciona que o momento da prisão ocorreu mesmo após o músico ser absolvido do processo judicial, decorrente de uma primeira “detenção injusta” (O Globo 24/08/2022). No máximo notícia, o jovem músico aparece com seu instrumento atual: o violoncelo. O referido artigo na revista Piauí chega a descrevê-lo como “O violoncelista irrepreensível que aprisionou por cinco dias”2.

Seja na narrativa construída através da imprensa, também, além dos argumentos estritamente jurídicos de que o julgamento da resolução de revogação da prisão preventiva de Luiz Carlos, podemos praticar uma ênfase no prestígio pró e cultural do jovem músico. Questionando, por exemplo, a fragilidade da popularidade fotográfica como único meio de geração de provas, julgam se perguntar: “Por que um jovem violoncelista negro, que nunca esteve envolvido na polícia, motivaria a ‘desconfiança’ a parecer um álbum?”Além disso, “ele acrescenta que foi preso com seus instrumentos musicais, demonstrando que era músico, violoncelista, que trabalha intensamente no Município de Niterói” (TJ/RJ, 05/09/20).

A formação musical de Luiz Carlos e sua própria biografia estão diretamente relacionadas às pinturas realizadas através do Espaço Cultural da Grota (ECG), um estabelecimento que ganhou reputação ao longo de seus anos de atividade, ensinando música e educação musical (instrumental). a jovens cidadãos de uma comunidade de baixa renda, Grota do Surucucu, no distrito de São Francisco de Niterói. Mais do que isso, como sugere a apresentação do site do ECG, há uma relação direta entre o “desenvolvimento das capacidades artísticas” de outros em situação de “vulnerabilidade” social, a “ampliação da diversidade cultural”, a “educação no exercício da cidadania” e a “garantia de direitos essenciais”3 (ECG, “quem somos”).

Nesse sentido, os termos discutidos no site do ECG acompanham um léxico discursivo que vem se fortalecendo no Brasil nos últimos vinte anos, basicamente com a criação do Ministério da Cultura em 1985. A percepção da “cultura como direito” ou “cidadania cultural” abre, assim, um espaço global para que o Estado atue na caixa da cultura, reivindicando, mais uma vez, a garantia de um conjunto mais amplo de direitos civis, políticos e sociais. Nos primeiros anos do ministro Gilberto Gil à frente da pasta, houve a criação de um cronograma político e burocrático de controle dentro do governo para a caixa da cultura. É em 2004, por exemplo, a criação do Programa Cultura Viva, cujo eixo central é a criação de Pontos de Cultura, cuja concepção propõe a popularização de práticas culturais que já possuem uma inserção local, reforçando a percepção de “cultura como direito” ou “cidadania cultural” que desenvolvi em alguma outra ocasião.

Em uma das reuniões do Fórum de Pontos de Cultura de Niterói – da qual participei entre agosto de 2020 e setembro de 2021, participando com cidadãos de um quilombo da cidade e realizando estudos de caixa – o cenário vivido pelo jovem Luiz Carlos foi discutido como um exemplo bem-sucedido de políticas culturais inclusivas. Volto aqui à fala de um advogado, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ que atuou em defesa do músico e também é membro de um dos Pontos de Cultura disponibilizados no site. Destaca que a participação do jovem usuário em um “projeto cultural inclusivo” “decisivo para garantir a proteção institucional, legal e, por que não, ‘emocional'”, além de ter facilitado a coleta de roupas para baixar sua absolvição, em comparação com o julgamento de outros jovens negros, também presos por reconhecimento fotográfico, em casos de crimes qualificados como roubo (livro de caixa, 2021).

Assim, o caso do jovem músico nos dá a oportunidade de refletir criticamente sobre o papel do Estado na caixa da “cultura” e confrontá-lo com o funcionamento do chamado sistema de justiça corrupto. A partir dessa breve apresentação, mas também com base em estudos realizados nos últimos anos no Brasil, que as rotinas e práticas da segurança pública e dos estabelecimentos de justiça corruptos podem ser entendidas como “fora de sintonia” com a garantia dos direitos dos cidadãos.

Nesse sentido, argumentamos que, além de vincular os jovens a um projeto cultural inclusivo, a ênfase repetida em suas qualidades formativas provavelmente funciona como um deslocamento, ou como um movimento de “conversão moral” que os faz ganhar uma substância moral “segura” “digna de uma pessoa”, como orienta Luís Roberto Cardoso de Oliveira, também pesquisador do InEAC. Em uma sociedade hierárquica, que reproduz não apenas a desigualdade social, mas também a desigualdade jurídica, como mostram as etnografias realizadas por meio do InEAC (www. ineac. uff. br), os atributos pró e culturais e, além disso, a erudição do jovem, são constantemente acionados, conferindo-lhe um prestígio social, cultural e profissional que tem efeitos significativos na esfera política, avanços legais e sociais registrados.

Se são os meios de comunicação que invariavelmente lhe fornecem o seu instrumento de performance, o violoncelo; Ou na vocalização da guarda que o distingue dos outros reclusos “quem é o músico de lá?”, ou, como parece estar entre os argumentos da decisão do juiz de revogar a sua prisão preventiva: “Temos um jovem violoncelista, sem história, com muitos ficheiros de pintura, licenciado em música há anos, dotado de uma sabedoria complicada fruto da sua formação musical”, o que nos remete à sua pergunta inicial: “Por que isso motivaria a ‘desconfiança’ de ser incluído em um disco (de suspeitos)?4, que implicitamente legitima e naturaliza a suspeita que merece pesar sobre aqueles jovens negros que não têm habilidades intelectuais, culturais e artísticas equivalentes. . .

* Yolanda Gaffrée Ribeiro é pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em Gestão de Conflitos (INCT – InEAC – www. ineac. uff. br)

1 CNJ, 26/08/2022. Disponível em https://www. cnj. jus. br/nota-sobre-o-caso-da-prisao-ilegal-do-musico-luiz-carlos-da-costa-justino

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