Caio de Freitas Paes, Agência Pública – Pequenos agricultores e vaqueiros do extremo oeste da Bahia resistem à invasão do agronegócio em suas terras, remanescentes do Cerrado em plena fronteira da soja no país, desde a década de 1980. No dia 3 de maio, a Justiça deu vitória ao povo geraizeiro na disputa. O Tribunal de Justiça do Estado de Correntina (BA), a 850 km de Salvador, bloqueou os registros de 19 fazendas que invadiram o domínio de pastagem de Capão do Modesto, um domínio de 11 mil hectares onde famílias camponesas convivem há mais de duzentos anos. Para a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) da Bahia, esse é “um dos casos mais graves de grilagem de terras registrados na Bahia”.
Obtida por meio do Órgão Público, a resolução impede, entre outras atividades, a “derrubada da cobertura vegetal” -desmatamento- em fazendas bloqueadas. A medida afeta as empresas de alimentos da Agrícola Xingu, controlada por meio da gigante japonesa Mitsui
A resolução também atinge as empresas agroindustriais do presidente da Associação dos Produtores de Algodão da Bahia (Abapa), Luiz Carlos Bergamaschi, os irmãos Ricardo, Walter e Wilson Horita, do grupo agropecuário Horita, e outros 12 acusados no processo. Pela PGE, há “sólidos indícios de grilagem de terras” contra os acusados, com a “verificação da origem anormal dos títulos” das fazendas após a investigação por meio do governo estadual. Alguns dos acusados chegaram a recorrer à intimidação e atirar contra os “atiradores” de Capão do Modesto para segurar o campo.
Os promotores dizem que alguns dos réus teriam contratado “serviços privados de defesa, disfarçados de empresas de segurança, para despejar famílias” do escritório, um recurso recorrente na região, parte da bela fronteira agrícola do Brasil, mais conhecida como Matopiba.
“O confronto no domínio é tão flagrante que há uma série de boletins de ocorrência escritos sobre os fatos ocorridos”, diz a PGE, sobre os documentos apresentados por meio da defesa dos inquilinos -na Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR)-. ).
Na Pública, a defesa dos irmãos Horita afirma que “a organização Horita não discutiu no processo” que bloqueou os registros das fazendas, “nem notificou qualquer resolução judicial a respeito da ação discriminatória proposta por meio da PGE”. “Os registros imobiliários do Grupo são completamente legais e legalmente válidos”, de acordo com os advogados da organização.
Nenhum dos réus do caso respondeu ao contato com a reportagem até o momento da publicação.
Acessada por meio da reportagem, a denúncia da PGE também destaca a atuação do agricultor Dino Rômulo Faccioni e da Agropecuária Talismã Ltda, também acusada no caso, na intimidação de inquilinos. As ameaças teriam envolvimento da empresa de segurança pessoal Estrela Guia, denunciada pela Pública anos atrás por ataques no extremo oeste da Bahia.
Com base em boletins de ocorrência registrados em delegacias e em reuniões do Ministério Público com as próprias comunidades, a PGE afirma que a Estrela Guia “fomentou atos de violência contra as comunidades” do Capão, a pedido da Faccioni e da Agropecuária Talismã, empresa goiana especializada na produção de sementes.
Segundo a denúncia, a organização Estrela Guía teria utilizado, a pedido do acusado, “ameaças, prisão abusiva [contra serralheiros], fechamento de vias clássicas”, além do “fluxo ostensivo e permanente [dos agentes de segurança da empresa] pelo domínio com armas de grosso calibre” – tudo isso para amedrontar e despejar a população do Capão.
A PGE informa: “O número de desmembramentos é estranho, além das transferências de fazendas de propriedade de Dino Rômulo Faccioni e [sua esposa] Roseli Faccioni”, referindo-se a ajustes nos títulos de propriedades supostamente ilegais em Capão do Modeste. Segundo relatório da ONG Global Witness, a Faccioni controla pelo menos “13 propriedades” na área, totalizando mais de 11 mil hectares.
Também acusado no caso, o presidente da Abapa também foi acusado de intimidar a população do Capão e do entorno. De acordo com reportagem de maio de 2021 do Observatório De Olho nos Ruralistas, seguranças pessoais que concorrem por Luiz Carlos Bergamaschi e outros fazendeiros do Domínio “espancaram e ameaçaram matar” um dos líderes do fechamento de pastagens.
Antônio dos Santos Silva, vítima do ataque, prestou depoimento ao observatório: “Quem está na linha de frente é o primeiro a morrer. Então, a gente guarda isso na cabeça, não sabe para o que vamos amanhã. “, talvez seja apenas outra pessoa na mira, é o que resta na cabeça. “
Não houve reação dos agricultores e das empresas discutidas anteriormente até o fechamento do texto.
Encaminhada ao tribunal no dia 7 de dezembro, a denúncia assinada por meio do advogado da PGE José Paulo Sisterolli Batista aprofunda o processo. Segundo o material, após uma investigação dos registros das 19 fazendas, foi descoberta uma “sobreposição quase total” sob o lote de Capão do Modesto.
As fazendas estão registradas no Registro de Imóveis de Correntina, mas segundo investigação de estudos realizados pela Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário (CDA) do Governo do Estado, todos os títulos são fraudulentos.
Para a PGE, o domínio de Capão do Modesto pertence ao estado da Bahia, o que permitiria ao executivo baiano destinar os 11 mil hectares aos geraizeiros da região, por exemplo.
Os réus do processo, as empresas agrícolas Talismã e Xingu, Dino Faccioni, os irmãos Horita e o atual presidente da Abapa, estariam “intensificando seus movimentos para consolidar no solo o açambarcamento notarial que registrou ilegalmente as terras onde as pastagens foram fechadas”. como o deles”, segundo o Ministério Público.
Segundo o ELP, “o modo de vida de um confronto sério foi plenamente demonstrado” pela área, “com ameaças contra membros da rede denunciadas em várias prisões” entre promotores e geraizeiros.
O juiz Matheus Agenor Alves Santos, da 1ª Vara do Consumo, Cível e Comercial de Correntina, bloqueou os arquivos das fazendas no início de maio. Correntina envia a “investigação georreferenciada dos registros” das fazendas bloqueadas e do lote Capão do Modesto, no prazo de 60 dias – estava em andamento desde o último dia três, data oficial da decisão.
Esta não é a primeira vez que a organização Horita é implicada em denúncias de grilagem de terras no extremo oeste da Bahia. Walter Yukio, um dos 3 irmãos donos do gigante rural, é alvo da Operação Faroeste, um esquema de corrupção e terras. O açambarcamento de bilionários que cobrem mais de 360 mil hectares na região foi desmantelado por meio da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A investigação da PGR tomou conhecimento de uma série de notas fiscais de propina no Tribunal de Justiça do Estado em troca da regularização de grilagem de terras no Cerrado da Bahia. O suposto envolvimento de Horita no esquema foi noticiado por meio do site da Mongabay, que citava grandes movimentações monetárias do agricultor. ligado ao caso.
A denúncia que deu origem à Operação Faroeste no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) afirma que somente entre 2013 e 2019, Horita teria deslocado pelo menos 7,5 bilhões de reais sem origem ou destino. Além disso, o proprietário teria “livre trânsito” entre o governo baiano e quadros para a defesa dos interesses dos ladrões” no esquema das Ilhas Faroé.
Segundo a denúncia, Walter Horita é suspeito de trabalhar as cenas para evitar o mesmo tipo de decisão judicial que acabou de bloquear sua fazenda em Capão do Modesto.
O suposto envolvimento de Horita no esquema Faroeste estaria relacionado ao fato de ele ser um dos principais inquilinos do condomínio Estrondo, conhecido como uma das maiores apreensões de terras públicas do país.
O caso Estrondo ocorre no município de Formosa do Rio Preto (BA), na mesma região de Capão do Modesto, e é citado no “Livro Branco de Desembarques” por meio do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), conforme lembrado pela Câmara dos Deputados.
Em Pública, a defesa da organização Horita disse que, “embora a convocação de Walter Horita tenha sido discutida em trechos de reportagens e blogs, ele e ninguém da organização Horita foram denunciados por esses eventos, ocorridos em 2019”. “Em relação aos supostos valores discutidos nos relatórios, o Grupo Horita nega veementemente qualquer pagamento por decisões de aquisição. O Grupo Horita está sujeito a uma auditoria externa anual e todas as suas transações monetárias são registradas em declarações fiscais e em dinheiro contábil”, disse o representante da organização defesa.
A Pública também teve acesso a um vídeo, gravado no dia 11 de abril próximo a Capão do Modesto, em que camponeses feridos e ensanguentados podem ser vistos na traseira de um caminhão, enquanto eram levados para receber atendimento médico após um ataque com meios armados. homens da área, segundo os recursos consultados por meio da reportagem. O caso foi registrado pela primeira vez através do portal Meus Sertões, ativo no oeste da Bahia.
Segundo a defesa dos cidadãos do recinto do pasto atacado, chamado Cupim, próximo a Capão do Modesto, 3 cidadãos foram mortos a tiros por homens armados, que aguardavam a organização em uma emboscada na tarde do dia 11 de abril. . Três idosos entre 44 e 67 anos foram mortos a tiros com “armas de fogo de curto e longo alcance”.
“No caso de gravidade máxima, uma bala atravessou o intestino e se alojou junto à coluna”, diz a advogada Eliene Guarda, que representa a Associação Comunitária de Preservação do Meio Ambiente dos Pequenos Pastores da Área de Cupins, Sumidores e Valitas (ACPAC). ).
“A vítima foi submetida a uma cirurgia de emergência devido ao seu estado grave, mas não era imaginável retirar a bala, dada a ameaça, dado que está alojada perto da coluna”, diz a Guarda.
Na época, 30 carpinteiros estavam consertando cabanas e estruturas em suas terras após uma ofensiva dos invasores. Desde setembro de 2022, os conflitos se intensificaram, com homens armados vagando e entrando na área, ameaçando, cortando cercas, portões e placas, destruindo pontes. , a sede da associação, o sítio”, denuncia o advogado. “Com as cercas cortadas, chegaram a roubar e alimentar o gado dos trabalhadores, mais de 30 cabeças no total”, diz o advogado dos inquilinos.
Vale lembrar que na véspera do ataque, o vereador e presidente da Comissão de Meio Ambiente de Correntina Efraim Silva Pereira (PSD-BA) havia pedido em vão ao comandante da polícia do Exército de Correntina, capitão Conrado Alessandro de Oliveira. O ofício também foi enviado ao Ministério Público do Estado da Bahia. Consultado por meio da reportagem, o PM de Correntina só retornou à publicação.
Existem muitos outros currais de pastagem na área, como Porcos, Guarás e Pombas, entre outros oficialmente conhecidos e em processo de regularização pelo governo e justiça da Bahia. De acordo com um levantamento realizado pela ONG Instituto Sociedade, População e Natureza, há pelo menos 630 comunidades geraizeiras – somando cidadãos rurais – espalhadas pelo oeste da Bahia, sob o mesmo tipo de ataque ocorrido no dia 11 de abril.
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