27/10/2023 – 8h30
Em palavras, ele transformou a Cidade Maravilhosa em um cenário de terror. Ações que podem ser facilmente descritas como terrorismo foram tomadas em retaliação à morte do número 2 da hierarquia da maior organização paramilitar da capital, Matheus da Silva Resende, sobrinho do líder que dá nome à facção, Bonde do Zinho.
É um recado ao governo sobre o futuro destrutivo da gangue mafiosa que domina mais de parte da área da cidade e quase fez outros dois milhões de pessoas reféns.
A prefeitura, os governos estadual e federal se uniram para dar uma resposta adequada, mas propuseram outra solução, sem chegar a um consenso.
Enquanto isso, a violência aumentava, deixando apenas 25% da capital livre do jugo de uma facção ou milícia. O governo do Rio e sua polícia só são culpados de dominar um quarto da cidade.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, assessorou o presidente Lula sobre o papel das Forças Armadas, que será realizado com a presença da Marinha nos portos e da Aeronáutica nos aeroportos.
Após reunião com o governador Claudio Castro, Cappelli anunciou a criação de uma organização para investigar lavagem de dinheiro e “reprimir financeiramente organizações criminosas para tirar proveito de seu potencial ofensivo”.
Castro já publicou uma lista de caçadores que inclui aqueles que considera seus 3 maiores inimigos públicos: Zinho (Luis Antonio da Silva Braga), Tandera (Danilo Dias Lima) e Abelha (Wilson Quintanilha).
Por pressão da Assembleia Legislativa (Alerj), ele nomeou Marcus Vinicius Amim, líder policial conhecido como influenciador virtual e comentarista de TV, como chefe de polícia. O quarto a ocupar esse cargo nos últimos 3 anos foi nomeado por meio de um deputado ligado à milícia, Marcio Canella (União).
“Vamos manter o nosso plano. Trata-se de ampliar as funções de inteligência da PF, mas também estamos ampliando a presença aberta da PRF e da Força Nacional”, disse Cappeli à ISTOÉ.
“Temos um número maior de militares com uma organização comissionada por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública que vai investigar as ligações entre as facções do Rio e de outros estados”, diz Flávio Dino. Ele descartou uma intervenção federal, mas o caso reforçou as perspectivas de divisão de seu poder entre Justiça e Segurança Pública.
O fator violência é dever da Polícia Civil desde que o ex-governador Wilson Witzel extinguiu a Secretaria de Segurança Pública (SSP), em 2019.
O caso já era uma escalada ilegal que havia levado o então presidente Michel Temer a nomear o general Walter Braga Netto, vice de Jair Bolsonaro em 2022, como presidente no Rio no ano passado.
A instabilidade política que levou à prisão dos ex-governadores Sérgio Cabral, em 2016, e Luiz Fernando Pezão, dois anos depois, agravou a situação de atrasos nos repasses e salários das forças de segurança.
Com a extinção da SSP, as forças policiais deixaram de precisar aderir às políticas de Estado e passaram a agir por conta própria. A situação levou à explosão de milícias, com a diferença de que, neste caso, elas começaram a se infiltrar em todas as áreas. de poder.
“O desaparecimento da secretaria foi decisivo, pois eliminou o estabelecimento da coordenação policial e o fator segurança civil e política. Isso favorece a lógica de expansão dos grupos, porque eles podem se expandir livremente dentro das forças de segurança e não há nada de bom. “”Chega de atividade policial”, explica Daniel Hirata, sociólogo que dirige o Grupo de Estudos sobre Novos Ilegalismos (GENI/UFF).
Sobre propostas que envolvem violência, Hirata sugere um planejamento baseado em inteligência e dados. “É preciso trabalhar de forma regulatória e não apenas repressiva, investigando as ligações entre grupos criminosos e políticos, para que aqueles que são “aqueles que enfrentam o crime não sejam cooptados por ele. Somente a ação repressiva terá efeitos negativos no desmantelamento das redes criminosas. “
Os números acabam por ser a teoria. Entre 2017 e 2021, as milícias dobraram seu domínio na cidade. O estudo mais recente realizado pelo Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) e pelo Instituto Fogo Cruzado destaca que as milícias representam 57,5% do domínio territorial do Rio (25% dos bairros), enquanto as facções dominam 15,5%, de um total de 73% da criminalidade.
Os combates no resto da capital estão cada vez mais acirrados. Só naquele ano, o número de tiroteios aumentou 55% na Zona Oeste, região governada por milícias.
“Quando a prefeitura se aproximou da zona oeste, as milícias já estavam posicionadas”, disse Hirata.
O Oeste do Rio é uma região bem diferente do Rio de Janeiro, conhecida por seus cartões-postais. Bairros como Santa Cruz e Campo Grande, que foram fortemente afetados pelos atos terroristas desta semana, ficam a cerca de 50 quilômetros do centro da cidade.
Outras 2,6 milhões de pessoas vivem na região, e a dificuldade tem sido descobrir o surgimento das milícias. Eles nasceram em conjuntos residenciais onde o governo fornecia moradia para seguranças. Eles criaram os primeiros computadores sob o pretexto de vender segurança. E começou a vender o serviço.
Nos anos 2000, introduziram vans para chegar às regiões centrais, optar por transporte, gás, água, luz, serviços de TV a cabo e até mesmo no mercado imobiliário.
O Rio começou a se dividir entre gangues de traficantes e grupos paramilitares.
Até 2014, com a prisão do último dos comandantes das forças policiais de defesa, a liderança da organização coube ao ex-traficante Carlinhos Três Pontes.
A corporação também se expandiu para o tráfico de drogas, modalidade que ganhou a chamada “narcomilícia”. A partir daí, as atividades das equipes se fundiram. A maior prova disso é que a mais recente virada de caos vital para a organização paramilitar não se deve apenas à linha sucessória (seu tio, Zinho, é o terceiro na patente dos irmãos Braga), mas também por ser o elo negocial entre traficantes e milicianos.
A execução indevida de três médicos na Barra da Tijuca, no início de outubro, ilustra o quanto a fronteira entre traficantes e paramilitares desapareceu. O ex-miliciano e depois Comandante Vermelho Philip Motta Pereira, conhecido como Lesk, matou as vítimas após confundir um dos homens com um paramilitar recém-libertado.
O líder da facção de Wilton Quintanilha, Abelha, ordenou que os assassinos fossem mortos. A força paralela legisla, julga e executa. ” Na milícia não há vantagens para os demais cariocas, principalmente para os mais pobres. O importante é o policiamento normal, legalista, em todas as partes do Estado. A política aberta terá que ter a mesma presença, independentemente do perfil social do local. Por fim, a investigação e punição dos envolvidos em grupos paramilitares. O papel das polícias Civil e Federal é central nesse processo. No entanto, sem as duas primeiras medidas, a terceira tende a ser inócua”, diz o cientista político Emmanuel Nunes.
O Rio de Janeiro tem apenas uma delegacia especializada em crime organizado, a Draco (Delegacia de Repressão como Acciones Criminales Organizados), com um quadro de 40 policiais.