‘É um absurdo’, baianas criticam lei que transformou acarajé em patrimônio no Rio de Janeiro

Mairalda de Oliveira Soares, 73, filha de Iansã e moradora do Acarajé há 50 anos, ficou decepcionada ao saber que o Rio de Janeiro havia feito da produção e venda da iguaria um patrimônio cultural do estado. “Descobri um absurdo porque o acarajé é candomblé, faz parte da nossa tradição”, argumenta. Assim como ela, outras baianas do Amarajé criticam o que chamam de “apropriação cultural”.

Para Maria Raimunda, a Tuquinha, que promove o acarajé desde os anos 90 na Ribeira, a carreira da baiana vai muito além do preparo de alimentos e tem suas raízes nas religiões de matriz africana. Aprendi que os jovens de Iansã tinham que vender acarajé, é muito velho”, conta. Ele chegou a ficar no Rio de Janeiro entre 2003 e 2004 e diz que a preparação feita no estado não é a mesma da Bahia.

“A maioria dos acarajés são outros e muitas baianas fazem mal. Embora haja alguns que o fazem bem, outros sobem um litro de azeite [de palma] e um litro de óleo, e tem de ser dois litros de azeite. Em 2012, o acarajé e todos os elementos que compõem o artesanato das mulheres baianas (roupas, bandejas e iguarias) se tornaram patrimônio imaterial em 2012, segundo o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC).

“O acarajé vem da Bahia e quem vem do Rio de Janeiro diz que não é o mesmo que se faz aqui”, diz Sueli Conceição Tavares, que administra uma casa no Terreiro de Jesus, no Pelourinho. Apesar da polêmica, Rita Santos, coordenadora da Associação Nacional das Baianas de Acarajé (Abam), diz que a popularidade dessa iguaria no Rio de Janeiro é vital para salvaguardar a tradição.

“Aqui na Bahia temos acarajé rosa, com ketchup, pizza acarajé, acarajé com doce de leite, além de baianas promovendo acarajé de bermuda e camiseta. No Rio de Janeiro, começaram a aparecer bandejas promovendo ‘Jesus Cupcakes’ e felizmente conseguem evitar para salvar o que é de todos nós”, conta Rita Santos.

O apelido de “bolo de Jesus” para o acarajé é uma forma de buscar separar a cultura das religiões africanas dessa iguaria. O coordenador da Abam também afirma que o cupcake se torna, por si só, um patrimônio da Bahia. Desde 2010 que tentamos fazer alguma coisa com o cupcake e nunca conseguimos”, conta Rita Santos.

O IPAC, por sua vez, promete que o acarajé já será protegido graças à sua inscrição no patrimônio imaterial da Bahia, assim como ao artesanato das mulheres baianas. Segundo o instituto, a revalidação do registro do patrimônio será anunciada no dia 25 de novembro, festa de aniversário do Dia das Baianas do Acarajé. A Abam aguarda esse anúncio desde 2017, já que a revalidação deve ser realizada a cada cinco anos por meio do IPAC.

Para Vilson Caetano, antropólogo e autor do livro “Comida de Santo que se Comer”, a iniciativa do Rio de Janeiro merece ser celebrada. “É uma popularidade importante para garantir que as políticas públicas cheguem a outros interessados na profissão”, “O Rio de Janeiro tem uma população negra que vive nas mesmas situações que outras espalhadas pelo país e um detalhe simbólico pode articular relatos a partir da ancestralidade”, completa.

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