A seca que atingiu a Amazônia no ano passado não só comprometeu a fauna, a flora e a sobrevivência da população, como também afetou parte da história ancestral humana da Amazônia. O declínio dos rios trouxe à tona pelo menos 3 sítios arqueológicos até então desconhecidos, fenômeno que pode se repetir em 2024. Com o El Niño previsto para continuar até fevereiro deste ano, as previsões apontam para uma estação chuvosa amazônica mais fraca ou até atrasada, além da recuperação dos rios.
Com indícios de presença humana que remontam mais de 10 mil anos, a Amazônia Legal possui um total de 6.178 sítios arqueológicos cadastrados no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão do Governo Federal (SICG) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), segundo os dados coletados até setembro de 2023. Essas áreas emergem nas paisagens como espaços vivos de memória e identidade. São fontes dinâmicas de conhecimento, onde gerações de pessoas teceram suas existências e construíram suas vidas através do tempo, e que ressoam nas com práticas culturais e ambientais contemporâneas.
Desses mais de 6 mil locais, 4. 415 estão em áreas florestais – destes, 71% (3. 150) estão em áreas de desmatamento e já foram afetados pelo problema. Esses dados são resultado de um estudo exclusivo do InfoAmazonia, sediado no SICG. e conhecimento sobre desmatamento para todos disponível a partir da série antiga (1988 a 2022) do Prodes, fórmula do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que produz a taxa anual de desmatamento na região.
A crescente perda de cobertura florestal combinada com a extração desenfreada de recursos, especificamente na Amazônia, pode ameaçar todo o patrimônio arqueológico, resultando na perda de contextos arqueológicos que ainda não foram totalmente descobertos e/ou estudados em estudos clínicos e por meio de pesquisas locais. Autoridades. Comunidades.
No mapa, os pontos em amarelo correspondem aos sítios arqueológicos. Ao puxar a barra para esquerda, você conseguirá visualizar quantos desses locais estão sob áreas desmatadas, os pontos estão em vermelho. Fonte: Levantamento da InfoAmazonia com base nos dados do IPHAN e PRODES (INPE).
Segundo dados do Prodes, espaços desmatados são aqueles em que houve “eliminação completa da cobertura florestal número um por meio de derrubada rasa”. Esta estratégia ocorre quando, numa determinada área, todas (ou a maioria) das árvores são derrubadas ao mesmo tempo. tempo e, geralmente, uniformemente. O estado do Acre possui um número excepcionalmente elevado de locais em espaços desmatados, atingindo 97% em 2023. É seguido pelos estados de Mato Grosso com 79%, Rondônia com 76% e Maranhão com 73%. O Pará tem 66%, enquanto Roraima e Tocantins apresentam os menores índices em espaços florestados, em torno de 36% e 40%, respectivamente.
Arqueologia, sistematização e inspeção.
Todos esses números destacam um fenômeno já conhecido pelos cientistas: a datação intrínseca entre o desmatamento, a profissão urbana e a descoberta de sítios arqueológicos. Dada a natureza enterrada ou semienterrada de muitos desses locais, os espaços desmatados e/ou ocupados revelam linhas do passado. No entanto, é imprescindível ter em mente que o desmatamento na Amazônia é uma questão complexa e multifacetada.
A busca por soluções equilibradas exige um entendimento do patrimônio arqueológico da região, que há décadas passa por diversos tipos de dificuldades, desde recursos humanos e financeiros, difícil acesso a locais, políticas públicas insuficientes e também pela incompleta sistematização dos dados arqueológicos já existentes — as informações sobre os sítios arqueológicos disponibilizados pelo Centro Nacional de Arqueologia (CNA) e pelo IPHAN mostram as dificuldades desses órgãos para conseguir acompanhar o progresso de tecnologias de armazenamento de grandes volumes de informação.
Além do SICG, base oficial de conhecimento das coordenadas dos sítios disponibilizada pelo IPHAN, há outra base de conhecimento, o Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), que inclui outros 2. 114 sítios, mas sem conhecimento da localização de cada um deles. De acordo com o conhecimento da base de conhecimento do IMCS, que apresenta os problemas de localização de mais de 6. 000 sites, apenas 1090 sites (ou 17%) possuem conhecimento geoespacial com domínio delineado (camadas poligonais). Esses dados mais detalhados e precisos seriam imprescindíveis. Há necessidade de compreender melhor o impacto e o progresso da carreira e da exploração nesses domínios.
Embora o termo “sítio arqueológico” não seja incomum, poucos brasileiros sabem o que significa. De acordo com a Portaria IPHAN nº 316/2019, um local é considerado até mesmo sítio arqueológico quando apresenta sintomas da atividade humana em tempos pré-coloniais (antes da invasão dos colonizadores europeus) ou em tempos antigos (quando já existiam registros e documentos escritos). Esses sintomas podem ser notados no chão, escondidos ou até mesmo debaixo d’água.
Para o governo brasileiro reconhecer oficialmente um sítio arqueológico, é fundamental que as descobertas sejam estudadas considerando o todo, desde os objetos encontrados até as camadas de terra que se acumularam ao longo do tempo, além de outras características ambientais que ajudam a contar a história do lugar.
Uma vez cadastrado como um sítio arqueológico, a gestão e preservação desse patrimônio fica a cargo do IPHAN, sendo vedado o aproveitamento econômico, destruição ou mutilação desses locais antes da realização de pesquisas por arqueólogos devidamente autorizados pelo órgão, conforme a Lei 13.653.
Mesmo sob pressão, UCs representam proteção para sítios arqueológicos
Os estudos arqueológicos sistemáticos na Amazônia começaram na década de 1940, marcados por expedições como as da arqueóloga americana Betty Meggers, pioneira nos estudos amazônicos que deu uma contribuição muito importante para a região, em especial por meio da implementação do Programa Nacional de Estudos Arqueológicos. Pesquisa na Amazônia. Bacia Amazônica (PRONAPABA). Mas, problematicamente, durante décadas, a técnica clínica utilizada pelos estudiosos, ao mesmo tempo em que produzia muito conhecimento relacionado à arqueologia da região, estava centrada em um viés colonizador, com uma visão eurocêntrica, que ignorava a complexidade e a diversidade dos fenômenos. Culturas Amazônicas.
Atualmente, os estudos arqueológicos sofrem pressão para uma prática mais integrada e colaborativa com a população. O trabalho em conjunto com as comunidades locais, que valoriza os saberes tradicionais, reafirmam a urgência e a importância de que os povos da Amazônia sejam protagonistas na construção de conhecimento sobre seu próprio legado ancestral.
Dos mais de 3 mil sítios localizados em áreas desmatadas pela reportagem, 12,5% (394) localizam-se em Unidades de Conservação, Terras Indígenas ou Quilombolas. Nos últimos 15 anos, o aumento no número de sítios em zonas florestais desmatadas foi de 8% para áreas protegidas e 23% para terras comuns, indicando que esses locais, mesmo sob pressão, proporcionam um nível de salvaguarda maior também para os sítios arqueológicos.
O InfoAmazonia segmentou esses lugares em terras não incomuns e áreas protegidas. Em 2022, os sítios arqueológicos localizados em áreas florestais afetadas pelo desmatamento atingiram uma taxa acumulada de 76% para terras não incomuns, enquanto para áreas protegidas foi de 45%. Cabe destacar que as terras indígenas têm o menor índice de sítios localizados em áreas desmatadas, com 21%, seguidas pelos conjuntos conservacionistas, com 52%, e, por fim, as terras quilombolas, com 59%.
Nós, os Guardiões
Localizada no Pará, a região de Gurupá tem o maior número de sítios arqueológicos em terras quilombolas da Amazônia legal, segundo dados do Iphan. Dos 27 sítios conhecidos nesses territórios, 12 estão localizados em Gurupá, totalizando 7 áreas externas desmatadas.
O presidente da Cooperativa Agroextrativista dos Vestígios Quilombolas dos Defensores da Floresta do Guupá, Agenor Pombo, explica que o território quilombola tem 83 mil hectares e inúmeros sítios arqueológicos que ainda foram estudados.
“Separamos nossa floresta em duas áreas, uma de preservação, com 66 mil hectares, e outra de uso, destinada à nossa área de cultivo, da nossa roça, da produção. Elaboramos um plano de uso, aprovado pela comunidade, e também trabalhamos no planejamento do território das comunidades locais”, detalha Agenor.
Desde 2014, a região vive uma datação de proximidade e preservação do patrimônio ancestral, fruto de uma colaboração com pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi. Cássia Benathar, professora de história e moradora, conta como o contato com o patrimônio arqueológico da região se intensificou com a chegada do Projeto Origens, Cultura e Meio Ambiente (OCA), uma iniciativa do museu. Promoveu ainda a criação do coletivo “Nós, os Guardiões”, para continuar a sensibilizar a população para o património arqueológico.
“Antes de eles chegarem lá, não sabíamos muito sobre arqueologia em si. É uma história de Gurupa que está escondida. e hoje também é mestrando do Museu. As pinturas do coletivo, em colaboração com pesquisadores e cooperativa, resultaram na organização de oficinas de pintura que reúnem a população de outras comunidades locais.
Oficina de cerâmica de inspiração afro no quilombola do Jocojó. Foto: Acervo de Cássia Benathar.
Um dos objetivos da cooperativa, em colaboração com a Associação dos Remanescentes dos Quilombos de Gurupá (ARQMIG), entidade que leva o nome do sítio, é organizar e identificar todos os recursos dos córregos e sítios arqueológicos. Embora mantenha contatos com profissionais de arqueologia, entre eles o Museu Goeldi, Agenor Pombo expressa seu receio com os comentários práticos que chegam às comunidades em relação à clínica realizada.
“Continuamos localizando artefatos, principalmente trabalhos agrícolas. Também conhecemos outros sítios dentro da floresta. ocorrem aqui, como incêndios”, diz Agenor.
Para ele, um maior contato com esse conhecimento poderia fazer com que os jovens das comunidades se engajem mais também. “O que a gente tem que fazer daqui para frente para preservar esses locais? Essa é uma pergunta que temos para que a gente não utilize essas áreas, conserve esse patrimônio do nosso território e possa repassar isso para nossa juventude”.
Terra, água e floresta
O ideal de objetos arqueológicos grandiosos construídos com base em filmes hollywoodianos, como Indiana Jones, contribuiu para criar uma visão da sociedade brasileira com pouco interesse pela arqueologia em si. Por não exibir esses símbolos estereotipados, a Amazônia é subestimada em seu valor arqueológico. Essa visão limitada não poderia ser estranha à verdade.
O pesquisador colaborador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Carlos Augusto da Silva, explica que grande parte da floresta densa que vemos hoje, com árvores centenárias resistindo ao avanço do desmatamento, é, na verdade, fruto de um inteligente manejo da natureza feito por populações antigas. Para ele, o patrimônio arqueológico na região não se limita ao que está enterrado, e ele também pode ser visto na vertical.
“A arqueologia amazônica mostra ao ar livre uma história de interação entre os povos indígenas e o meio ambiente. A ceiba, por exemplo, é um útero gigante que engloba um contexto total de gerações na Amazônia”, explica o pesquisador amazonense.
Assim, não é exagero dizer que os sítios arqueológicos da região estão por toda parte: sob os pés das comunidades clássicas, marcadas, por exemplo, pela descoberta da famosa “terra preta”, mas também verticalmente na floresta, como nas copas das árvores gigantes e centenárias. E em meio a esse vasto espaço verde, quando se imagina em artefatos arqueológicos, a Amazônia se destaca como um ponto de convergência entre gerações que se reúnem no tempo.
“A floresta é um patrimônio arqueológico desses outros povos que viveram na vida após a morte. As populações antigas usavam precisamente todos esses produtos, mas depois de um, dois, três anos, o que aconteceu com toda a matéria biológica?Fertilizante! Além de fertilizar a Amazônia com terra, floresta e água, nossa geração está fertilizando com desmatamento e plástico”, explica o pesquisador, que também integra o projeto Amazônia Revelada. A iniciativa visa sobrevoar a Amazônia com tecnologia de mapeamento a laser, conhecida como Lidar, para detectar sítios arqueológicos escondidos entre a vegetação.
Desde 25 de setembro do ano passado, a reportagem tenta contato com o IPHAN, solicitando entrevista com a direção do Centro Nacional de Arqueologia (CNA), em busca de mais esclarecimentos sobre a política de preservação desses sítios arqueológicos e investimentos na área. Durante este tempo, foram trocados 15 e-mails, mas até o fechamento desta reportagem, a demanda não foi atendida. Como justificativa, a assessoria de imprensa do órgão alegou: “o volume de trabalho e compromissos dos técnicos especializados na área”. (Lisiane Müller / InfoAmazonia)