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Criada há anos, a inovação dinamizou os jornais e fomentou a criação de agências de notícias no país.
Biblioteca de Imagens Science & Society/Getty Images
A primeira página do Jornal do Recife de 23 de junho de 1874 celebrava a notícia: “Estamos, portanto, em comunicação instantânea com o mundo inteiro, e apenas despachos pessoais foram trocados com a Praça de Londres”. A notícia dizia respeito à chegada do submarino. Cabo telegráfico ligando a praia de Carcavelos, a 21 quilómetros de Lisboa, Portugal, com a capital de Pernambuco, com ligações na ilha da Madeira e Cabo Verde.
A partir da cidade brasileira o cabo foi conectado à rede telegráfica, que começou a se expandir no Brasil em 1852, graças às ferrovias, e havia também um cabo submarino ao longo da costa, operado através da Companhia Telegráfica Ocidental e Brasileira (WBTC). Imediatamente, telegramas estrangeiros aumentaram o fluxo de informações: “Apenas duas horas se passaram da resposta à mensagem. Não há dúvida: uma nova era começou em nosso país”, concluiu o jornal recifense.
Até então, caçadores de notícias e leitores no Brasil imperial esperavam entre 15 e 40 dias para obter cartas ou jornais da Europa, trazidos por navios a vapor. “Em 1874, pela primeira vez, os jornais brasileiros publicavam notícias da Europa do dia anterior”, diz o jornalista Pedro Aguiar, da Universidade Federal Fluminense (UFF), aluno do Sistema Internacional de Disseminação de Informações.
Atlantic-Cable. comIlustração mostrando um dos primeiros estágios da produção de cabos, em que sete fios de cobre são trançados com látex guta-percha e com fios ferAtlantic-Cable. com
Segundo o pesquisador, desde pelo menos 1851, os jornais brasileiros publicavam dados de agências estrangeiras, copiados de jornais estrangeiros. “Mesmo com o cabo estrangeiro, os exemplares continuaram, porque muitos jornais não tinham recursos para assinar os serviços das agências”, disse Aguiar, que em fevereiro apresentou uma página online no site da UFF sobre os 150 anos das agências de notícias no Brasil.
Instalado e operado através da Companhia Brasileira de Telegrafia Submarina, o primeiro cabo telegráfico submarino abriu caminho para agências de notícias nacionais e estrangeiras, que vendiam notícias para a imprensa, investidores e comerciantes de café. Quatro meses antes da chegada do cabo, o banqueiro Manoel Gomes de Oliveira (sem data de nascimento ou óbito) abriu a Gomes de Oliveira
Respaldada por um contrato com o WBTC, a AAT garantiu aos seus assinantes o envio de pelo menos 60 palavras por dia com uma assinatura mensal de 30 contos de reis, valor superior ao do WBTC, informa Aguiar. “Um telegrama de 20 palavras para a Inglaterra cobra o equivalente a 94 dólares americanos na época”, disse o jornalista Matías Molina no e-book Historia de las noticias en Brasil (Companhia das Letras, 2015), fundado em um anúncio em 7 de julho de 2015. 1874 no Jornal do Commercio de Rio com os valores dos telegramas do WBTC para a Europa.
Fundação da Biblioteca NacionalAnúncio da Agência Telegráfica Americana, que funcionou em 1874 e 1875Fundação da Biblioteca Nacional
Em julho de 1874, também explorando a Cidade do Cabo, a empresa francesa Havas, fundada em 1835 em Paris por Charles-Louis Havas (1783-1858) e a primeira empresa de notícias do mundo, começou a distribuir seu conteúdo para jornais brasileiros, em parceria com os britânicos. A Havas-Reuters abriu escritórios no Rio de Janeiro, Buenos Aires, Lima e Montevidéu. A parceria durou até 1876, quando a firma britânica deixou a América Latina.
A Havas permaneceu e manteve o monopólio de dados estrangeiros no Brasil e na América Latina por quase parte de um século. “O Brasil via o global pelos olhos dos franceses, e o global via o Brasil pelos mesmos olhos”, escreveu Molina.
Para cortar custos, as agências criaram abreviações que lhes permitiam enviar telegramas com menos palavras. “As notas eram lacônicas e foram publicadas inteiramente pela imprensa, sem escrita ou organização cronológica dos acontecimentos”, diz a historiadora Tania Regina de Luca, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), uma das organizadoras do e-book História da imprensa no Brasil Contexto, 2008).
Descobriu essa dissonância na atualidade do político francês Léon Gambetta (1838-1882), detalhada em arquivo no e-book Por uma História do Jornalismo Português no Mundo (Icnova, 2021). Em 2 de janeiro de 1883, a Gazeta de Notícias do Rio noticiou sua morte em 31 de dezembro: “Telegramas. Atendimento especial da Gazeta de Notícias. Paris, 1º de janeiro, às 11h50. Gambetta está morto. Há uma dor maravilhosa na França. O funeral será realizado através do Estado, diz-se.
Atlantic-Cable. com cabos da Companhia Telegráfica Ocidental e Brasileira utilizados em 1873 entre o Rio de Janeiro e ParáAtlantic-Cable. com
No entanto, nos dias 11, 15 e 18 de janeiro, a Gazeta de Notícias publicou as reportagens, que chegaram de barco, do correspondente português em Paris, Mariano de Pina (1860-1899), sobre o cotidiano do político nos dias 19 e 24 de dezembro. , quando ainda estava vivo. Só a 28 de Janeiro é que o jornal publicou, através de Pina, um relato dos casos da morte de Gambetta. “Os flashes telegráficos, que apresentavam apenas dados fragmentados, escritos na ocasião, tinham que ser mentalmente ordenados pelo próprio leitor. “Diz Lucas.
Os jornais brasileiros começaram a se organizar mais e reduzir a distância entre as notícias no início do século 20. Outras agências brasileiras surgiram, como a American Agency (1909-1930), criada por meio de escritores e jornalistas, que atendia apenas à imprensa e fornecia dados culturais e monetários no exterior. Em 1931, Assis Chateaubriand (1892-1968), proprietário dos Diários Associados, criou a Meridional para divulgar dados de sua rede de comunicação, que em seu auge contava com mais de uma centena de jornais, revistas e rádios. e canais de televisão.
Com o tempo, dois dispositivos substituíram o telégrafo: a teletypewriter, que permitia aos operadores enviar e receber mensagens usando um teclado, como uma máquina de escrever e um seletor de papel; e o telex, usado até a década de 1990, que possibilitava o envio de uma mensagem para um destinatário expresso, pois cada dispositivo tinha um endereço, como e-mails.
Arquivo Nacional Linhas telegráficas em operação em todo o mundo em 1880 Arquivo Nacional
No final do século 19, os impulsos elétricos do código Morse, criado pelo inventor americano Samuel Morse (1791-1872), viajavam através de fios submersos transportados por condutores de cobre revestidos com guta-percha passada duex (Palaquium sp. ). naquela época, as cortinas tinham o isolamento elétrico mais produtivo e garantiam a impermeabilidade do cordão guta-percha, um polímero vegetal semelhante à borracha”, diz o físico Mauro Costa da Silva, do Colégio Pedro II, que estudou telegrafia elétrica no Brasil. 1852 a 1914 em seu doutorado, defendido em 2008 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
No e-book The Victorian Internet (Berkley Books, 1998), no qual mostra a revolução que o telégrafo trouxe para as comunicações no século XIX, o jornalista inglês Tom Standage observa que a guta-percha era tão popular na época quanto o plástico é hoje. À temperatura ambiente, amolece quando imerso em água quente e pode ser suavemente moldado. “As bonecas, as peças de xadrez e as trombetas auditivas eram todas feitas de guta-percha. E, apesar do preço alto, tem se mostrado ideal para isolar fios”, diz no eBook.
Não é fácil transmitir energia elétrica a longas distâncias através de cabos submarinos sem distorcer sinais ou ser perturbado por tensões mais altas. Após a instalação do primeiro cabo curto entre a França e a Inglaterra, sob o Canal da Mancha, em 1851, pensou-se que seria suficiente usar o mesmo tipo de cabo para longas distâncias. “Mas em cabos mais longos, sinais de curta duração chegavam atrasados na outra ponta, fracos, tornando a mensagem incompreensível”, diz Silva. Segundo ele, esse desafio só dava a impressão de estar em fios submersos, mas não naqueles instalados em postes, destacando a influência do meio externo (água salgada ou ar) na propagação de pulsos portadores de informações.
A turbulência ficou mais evidente quando o investidor americano Cyrus Field (1819-1892) colocou um cabo entre o Reino Unido e a América do Norte em 1858. O uso de um condutor muito fino e isolamento poroso interrompeu a transmissão de mensagens após um mês. Chamado para resolver o problema, o físico irlandês William Thomson (1824-1907), mais tarde Lord Kelvin, descobriu que a condutividade elétrica variava muito entre as amostras de cobre dos cabos submarinos que examinou.
Arquivo NacionalOperadores de Telégrafo da Corporação Telegráfica (ECT) em 1934Arquivo Nacional
Em 1866, a aplicação da lei de Ohm, segundo a qual a intensidade da corrente elétrica existente varia linearmente em escala normal em função do diâmetro do cabo, possibilitou imaginar a instalação de algum outro cabo, desta vez com máxima conectividade, entre a Europa e a América do Norte. O fio era mais espesso e tinha uma tensão elétrica menor. “A criação do popular Ohm foi essencial para garantir a qualidade dos cabos submarinos e detectar possíveis defeitos de isolamento no cabo já instalado”, disse Silva. em artigo de maio de 2023 na Revista Brasileira de Desenvolvimento. A partir daí, cabos submarinos se estendiam entre continentes.
Na década de 1870, as corporações do comerciante escocês John Pender (1816-1896) possuíam uma rede internacional de cabos submarinos. Pender criou o WBTC e a Companhia Brasileira de Telégrafos Submarinos (BSTC), que se fundiriam com a Western Telegraph Company (WTC), concessão concedida através do empresário Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), então Barão de Mauá, que em 1872 recebera o direito de operar instalações telegráficas entre Brasil e Portugal.
Revestidos de fios de plástico ou metal, os cabos de fibra óptica, herdeiros dos equivalentes ao telégrafo, começaram a banhar os mares no final dos anos 1980, em direções semelhantes. O primeiro cabo telegráfico submarino transatlântico que chegou ao Brasil em 1874 seguiu uma direção semelhante à “O cabo de fibra óptica de alta capacidade, inaugurado em 2021, conecta Fortaleza a Portugal”, observa o cientista da computação Michael Stanton, professor aposentado da UFF e pesquisador da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Estava a uma intensidade de 4. 000 m na retaguarda do Atlântico.
Nan Palmero / Wikimedia Commons Cabos submarinos recentes em um museu em Praga, República Tcheca Nan Palmero / Wikimedia Commons
Segundo Stanton, a manutenção dos cabos submarinos de fibra óptica é semelhante à dos primeiros cabos telegráficos: cada um, para ser reparado, quando quebrar, terá que ser retirado do fundo do mar e preso à superfície do navio. antes de retornar ao fundo do mar. Mas as diferenças entre eles são grandes: “A geração vitoriana usava uma única corda, para o contato com a água passava pela guta-percha, e os sinais eram transmitidos eletricamente e em baixa velocidade”, descreve. O cabo usa vários pares de circuitos elétricos, um ao outro. O de 2021 inclui 4 pares de cabos elétricos, torcidos, com transmissão simultânea de dezenas de sinais usados por outros usuários.
Assim como os cabos telegráficos, que acabam sendo quebrados por animais marinhos, os cabos de fibra óptica também são vulneráveis. Em janeiro de 2022, a erupção de um vulcão submarino no arquipélago de Tonga, a leste da Austrália, quebrou o único cabo de ligação a Fiji, o arquipélago. no Pacífico Sul, deixando sua população quase incomunicável por cerca de um mês.
Responsável por mais de 90% da transmissão mundial de conhecimento entre continentes, 574 cabos submarinos ligam os continentes à Antártida, segundo a empresa americana de conhecimento Telegeography. No Brasil, um dos hubs dessa rede é a cidade de Fortaleza, de onde 17 cabos submarinos de fibra óptica chegam a outras regiões do Brasil, América do Sul, Estados Unidos, Europa e África.
Antes do cabo: agências de notícias na imprensa brasileira na era pré-telegráfica (1851-1874). Brazilian Journal of Media History. v. 11, n°1 janeiro. 2022 SILVA, M. C. O cabo telegráfico submarino e sua teoria eletromagnética . Revista Brasileira de Desenvolvimento. v. 9, n. 5. mai. 2023.
Livros MOLINA, M. M. História dos Jornais no Brasil – Da Era Colonial à Regência (1500-1840). São Paulo: Cia das Letras, 2015. MARTINS, A. L e LUCA, T. R. de. (Organizações). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. LUCA, T. R. de. Mariano de Pina na Gazeta de Notícias (1882-1886). Em PENA-RODRÍGUEZ, A. et HOHFELDT, A. Rumo a uma história do jornalismo português no mundo. Lisboa: Livros Icnova, 2021. STANDAGE, T. THE VICTORIAN Internet: A notável história dos pioneiros do telégrafo e da Internet no século XIX. Nova Iorque: Berkley Books, 1998.
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