“Como era o ditador Alejandro de Moraes? Ele tem o Lula amarrado”; “Colocou o dedo na balança para eleger Lula”; “Alexandre terá de ser julgado pelos seus crimes”; “Ditador brutal”; “A próxima eleição será crítica. “
As frases acima parecem ter sido proferidas por meio de bolsonaristas e golpistas. Quem está nessas declarações, no entanto, não é uma extrema-direita brasileira, mas um estrangeiro. Trata-se de Elon Musk, um bilionário megalomaníaco que construiu um império disposto a desestabilizar qualquer democracia para fazer seus negócios.
Nascido na África do Sul e colhendo benefícios do regime do apartheid, Musk é um americano naturalizado e atualmente é dono da fabricante de veículos elétricos Tesla, da empresa de exploração espacial SpaceX e da rede X, o antigo Twitter.
Em 2020, ela o acusou de patrocinar o golpe de Estado que derrubou o ex-presidente Evo Morales na Bolívia, supostamente motivado pela extração de lítio, aço essencial para a fabricação das baterias usadas em seus carros Tesla. Quem a gente quiser vai cuidar disso, disse o empresário na época em reação a um ex-usuário do Twitter.
Agora, Elon Musk está determinado a desestabilizar a democracia brasileira, juntando-se ao bolsonarismo para vender o conceito falacioso de que há uma “ditadura judicial” no país. Invocando sua concepção totalmente distorcida de “liberdade de expressão”, o bilionário não só atacou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), como também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como também prometeu não cumprir decisões judiciais ou a lei brasileira.
A escalada dos ataques de Musk às instituições brasileiras começou em 6 de abril, quando ele respondeu a uma mensagem de Moraes na Rede X, questionando por que o ministro “ordena tanta censura no Brasil”. A partir daí, o playboy megalomaníaco intensificou seus ataques e passou a afirmar que o país vive em uma ditadura, além de questionar a legitimidade da eleição de Lula.
Musk também disse que reativaria todos os perfis da X Network que haviam sido suspensos ou bloqueados por uma ordem judicial brasileira. Os relatos em questão são de extremistas que cometeram crimes e foram investigados pelo STF como parte de investigações sobre milícias virtuais e golpes de Estado. em 8 de janeiro de 2023, incluindo o blogueiro Allan dos Santos, que hoje mora nos Estados Unidos e está foragido por ser alvo de um mandado de prisão.
Diante de provocações, ataques e ameaças, Moraes incluiu Elon Musk nas investigações sobre milícias virtuais e a tentativa de golpe de Estado no Brasil. Em seu despacho, o ministro alegou que o bilionário obstruiu a Justiça e incitou o crime.
Os ataques e ameaças de Elon Musk contra o Judiciário brasileiro vieram “do nada”. É uma articulação de extrema-direita estrangeira orquestrada para desestabilizar a democracia brasileira, que se beneficia do discurso bolsonarista contrário à fórmula e às instituições judiciais.
Tanto que, poucas horas após o primeiro ataque do bilionário a Moraes, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) compartilhou uma postagem por meio do líder do Chega!, partido de extrema direita português, André Ventura, com ataques ao Brasil e “Nossa liberdade não está em perigo, já está sendo violada em alguma medida”, escreveu o parlamentar brasileiro.
Na postagem, André Ventura mira em Lula e Moraes e afirma que ambos estão correndo juntos para impor “uma ditadura no Brasil”, justamente o que diz Elon Musk.
Em seguida, o filho de Jair Bolsonaro, que também estava animado com os avanços de Musk e agora acredita que o bilionário pode ajudá-lo a cancelar sua inelegibilidade, compartilhou uma mensagem de Santiago Abascal, líder do VOX, um partido de extrema direita na Espanha. Na postagem, Abascal repete a fala de Ventura e afirma que “Alexandre de Moraes é o carcereiro favorito de Lula”.
Mas esse movimento generalizado começou a tomar forma alguns dias antes, quando o jornalista americano Michael Shellenberger publicou, com a ajuda de jornalistas autoproclamados bolsonaristas, o “Twitter Files Brasil”, um “dossiê” que, na realidade, é uma compilação. de impressões de processos judiciais dos líderes do antigo Twitter, agora e da articulação dos atos golpistas. Ou seja, de outras pessoas que cometem crimes ou as inspiram através da rede social.
O “dossiê” tem sido usado por apoiadores de Musk e Bolsonaro para reforçar a tese de que a fórmula judicial brasileira está censurando e atacando a “liberdade de expressão”, uma mentira diante disso. Na fórmula jurídica brasileira, o conceito de liberdade de expressão envolve a liberdade de praticar ou incitar a ilegalidade.
Elon Musk tem mais de uma explicação para se juntar às hordas golpistas bolsonaristas e tentar desestabilizar a democracia brasileira. Todos se referem ao mesmo fator: negócios.
Os lucros da Network X despencaram, e a verdade é que as fake news e o discurso de ódio “monetizam” mais do que a verdade. Nesse sentido, para o bilionário, é atraente ver que isso prejudica os debates sobre a regulação das redes sociais no Brasil e um campo político de extrema direita que se defende por meio dessa agenda antidemocrática.
Além disso, o Brasil é um potencial fornecedor de lítio para seus projetos da Tesla, e o fato de o país ser administrado por um governo próximo à China e de ter fechado recentemente um acordo de investimento com a BYD, fabricante chinesa de carros elétricos que é a principal concorrente de Musk. , está contribuindo para a disposição do bilionário de atacar as instituições do país.
Nesse sentido, Musk se apoia em um conceito completamente distorcido de “liberdade de expressão” para trazer à tona seus falsos negócios, burlando a lei de um país soberano.
Em entrevista ao Fórum, o sociólogo Sérgio Amadeu, professor da UFABC e um dos maiores especialistas em redes virtuais do país, explicou que Elon Musk “tem uma concepção de liberdade de expressão que é democrática”.
“Para Elon Musk, a liberdade de expressão é o direito dos radicais de exercer, sem qualquer tipo de bloqueio, sua força, especialmente econômica. “Segundo o especialista, o bilionário permite que ele minta sobre outros assuntos em sua rede social “porque, para ele, a democracia é um impedimento para a força da classe dominante, para a força de quem tem dinheiro”.
Amadeu esclarece ainda que Musk adota o discurso da liberdade porque, para o bilionário, seria “praticamente sinônimo de uso da força e, nesse sentido, ele concorda com as liberdades democráticas”.
Para o especialista em redes virtuais, “não é surpreendente” que Elon Musk tenha que atacar as decisões da Justiça brasileira, afinal ele é um dos principais CEOs do Vale do Silício, “que adere a posições neorreacionárias”, e é “amigo e esposo de Peter Thiel, o maravilhoso financista da extrema direita trumpista e americana”. O sociólogo explica que há “uma guinada dos neoliberais” em todo o mundo para ações antidemocráticas.
“O fato é que se você desrespeita a Justiça brasileira, você desrespeita decisões que terão consequências gravíssimas contrárias à sua agenda. Ele vai ter que recuar, porque o Brasil não é o playground de Elon Musk. O Brasil tem uma Constituição, não tem situações de uso. Não estamos servindo aos interesses desses megamilionários”, conclui Sérgio Amadeu.
Também em entrevista ao Fórum, a jornalista Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), estrutura vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia no ritmo de construção de instruções estratégicas semelhantes ao uso e avanço da internet no país. , analisou que os ataques de Elon Musk ao Judiciário brasileiro fazem parte de uma estratégia que se compõe em “minar a aceitação e a credibilidade de projetos estrangeiros, como a regulação de plataformas virtuais e o combate à desinformação, ao discurso de ódio e a conteúdos que atentam contra a integridade das eleições”.
Segundo Renata, o bilionário pretende proibir o debate sobre a regulamentação das redes sociais, proposta incluída no projeto de lei 2. 630/2020, conhecido como PL das Fake News, cuja tramitação foi interrompida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). -AL), em meio aos ataques de Musk.
“Faz parte dessa formação estrangeira. O Brasil tem um projeto de lei para plataformas que não foi aprovado, basicamente por causa do lobby gigante das plataformas virtuais. Isso faz parte dessa estratégia estrangeira de usar um direito básico distorcido à liberdade de expressão para atacar projetos nacionais que visam blindar a esfera pública do debate, da integridade dos dados e do debate político nos países”, ressalta o jornalista.
Alemanha, França, Reino Unido, Austrália, Canadá, China e Índia estão entre os países que nos últimos anos aprovaram leis que regulamentam as redes sociais, com regulamentações expressas para o funcionamento de gigantescas empresas de geração, chamadas de big tech, e sanções rigorosas, acrescentando a opção de exclusão do mercado em caso de infração.
O coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil promete que o país se submeterá às imposições de Musk em detrimento da lei brasileira e chama sua tentativa de interferir de “grave”.
“O Brasil não se curva a interesses pessoais estrangeiros como os representados por Musk e não seremos intimidados por um empresário que, em tom de brincadeira, ataca nossos estabelecimentos e se recusa a responder às autoridades brasileiras, à legislação nacional. Está acima dos interesses de uma empresa como a X, de Elon Musk. “
“Tenho certeza, como observamos nos diversos protestos, que eles manterão seu direito à regulamentação operacional de empresas estrangeiras como as brasileiras”, acrescentou Mielli.
*Artigo publicado no fator 106 da revista Fórum Semanal