Houve um tempo, não faz muito tempo, em que conceitos capazes de iluminar debates e indicar caminhos emergiam de personalidades maravilhosas vindas de outras caixas de sabedoria. Na política, Ulysses Guimarães guiou gerações com sua aversão à ditadura e seu amor pela democracia. No âmbito cultural, nomes como Carlos Drummond de Andrade, Di Cavalcanti e João Gilberto, entre outros, incentivaram não apenas poetas, pintores e músicos, mas certamente milhões de brasileiros que os admiravam. Na ciência, Adolfo Lutz e Vital Brasil assumiram durante décadas o papel de propagadores da sabedoria. Muitas vozes foram levantadas ao longo da história para ensinar, orientar e, em última análise, influenciar a forma como agimos e raciocinamos. A vida mudou, a sociedade é outra e agora os grandes pensadores foram superados por uma categoria barulhenta e bastante numerosa, descuidada com os dados que divulga e que pode até assumir posições seguras em troca de uma quantia em dinheiro corrente. São o que chamamos de influenciadores virtuais, em inglês, sinal de um provincianismo mais que estúpido. É um termo usado para se referir aos americanos que atraem multidões nas redes sociais.
Um estudo recente da Nielsen pinta um quadro conturbado desse mundo. Pesquisas mostram que o Brasil é o país dos influenciadores. São 500 mil deles com pelo menos 10 mil fãs espalhados por outras plataformas. De todos os ângulos, há muitas outras pessoas: esse número excede o número total de engenheiros civis e equivale ao número de médicos (leia a tabela). Para além das questões práticas em jogo, um país quer mais médicos ou charlatães psíquicos que tenham opinião sobre tudo?algum outro ponto que merece ser mencionado. Essa organização destemida e provavelmente imparável determina o que milhões de pessoas consumirão e influencia sua visão de mundo agora e no futuro. Não é que 2022 é um ano eleitoral e que pessoas influentes são providas para marcar as eleições, raramente espalhando dados falsos e, nos casos mais graves, no pagamento de políticos.
Sim, o Brasil é um dos campeões mundiais em tudo relacionado a esse universo. Outra pesquisa, realizada por meio das agências Hootsuite e We Are Social, mostrou que somos o segundo país que mais segue influenciadores (44,3% dos internautas). As Filipinas (51,4%), à frente de outros países emergentes. Não em vão. Lugares pobres, com baixa escolaridade e poucas opções de lazer, oferecem o melhor ambiente para a divulgação de influenciadores com um único clique. “As pessoas à margem da sociedade veem o virtual como uma forma de progredir”, diz Bia Granja, cofundadora da consultoria Youpix.
Kleber Moraes (Klebim)
Dentre as considerações que envolvem o fenômeno, a principal é a intensidade das questões em discussão. O editor italiano Umberto Eco explicou isso em um famoso comentário. Nunca é demais usá-lo: “As redes sociais deram às legiões o direito de se comunicar como tolos que antes só se comunicavam no bar, depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a comunidade. Eles foram imediatamente instruídos a fechar, embora agora tenham o mesmo direito de falar que um ganhador do Nobel. A tragédia da internet é que ela promoveu o tolo da aldeia ao posto de portador da verdade. Como influenciadores, alguns tolos da cidade se tornaram vozes retumbantes de sucessos monumentais e acontece que não há nenhum mecanismo para impedi-los.
Os gauleses
De certa forma, as redes sociais se tornaram uma terra de ninguém. Isso só favorece os influenciadores, que localizam uma caixa solta para fazer o que quiserem. Na caixa monetária, muitos influenciadores vendem a promessa de riqueza simples e há até quem se industrialize. pirâmides monetárias, o que é crime. No setor de fitness há um grande perigo: curandeiros oferecem remédios sem comprovação clínica ou anunciam medicamentos, o que também é ilegal. Ela não existe e o governo dá pouca atenção a ela.
Felipe Neto
Como distinguir profissionais sérios de golpistas?Como exemplos de outros países, o Brasil está lendo a criação de uma legislação para regulamentar pinturas de influenciadores, mas os textos estão bloqueados no Congresso. O Código de Defesa do Consumidor e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) já previam sanções, mas isso não foi suficiente. ” As medidas estão sendo implementadas em um ritmo mais lento do que as mídias virtuais”, diz a influenciadora financeira Nathalia Arcuri, do canal Me Poupe!, conhecida pela seriedade de seus quadros. O máximo aplicável é o dever das plataformas na divulgação de conteúdos desinformativos. Não só merecem que os usuários sejam culpados pelo conteúdo que postam, mas também as plataformas.
Os próprios influenciadores, especialmente os mais populares, merecem tomar algumas medidas inegáveis para evitar espalhar bobagens. A primeira é não entrar em espaços que você não domina. “Durante o horário do programa, inevitavelmente surgem outros assuntos”, diz Alexandre Borba, o segundo maior streamer do mundo, com mais de 3 milhões de seguidores. “Meu propósito é promover entretenimento e diversão, mas quando as coisas ficam sérias, eu inspiro você a procurar ajuda profissional. “Consultar especialistas – algo que o jornalismo inteligente merece fazer – não é incomum neste mundo.
Nathalie Arcuri
Os primeiros grandes influenciadores surgiram no YouTube, com a explosão de nomes como PC Siqueira, envolvido em todo tipo de polêmica, o humorista Whindersson Nunes, que anunciou um ano sabático para cuidar de sua aptidão intelectual, e Felipe Neto, o maior trunfo entre o público. debate. Aos 34 anos, doze dos quais dedicados ao seu canal de vídeos, Neto é hoje um dos cinco youtubers mais importantes do planeta. Sempre em tom cômico, ele molda seu perfil e passa a adotar um tom comprometido (demais). O carioca é hoje uma espécie de defensor do povo da vida nacional, despejando ideias, análises e resenhas sobre tudo, mesmo que não tenha uma base boa o suficiente: do futebol à política, da aptidão à economia. É preciso se ater ao que diz Neto. Ele diz por alguns minutos que suas propostas são superficiais e precipitadas, mas isso não o impede de atrair multidões de fãs.
Iran Ferreira (luva de pedreiro)
Junto com a sorte dos youtubers, o interesse por blogs de moda e estilo de vida cresceu. A concepção consistente de “blogueiro”, aliás, às vezes ocorre com a de influenciadores. Textos foram substituídos por vídeos, e o que já era banal se tornou ainda mais consistente e oficial. E ela oferecerá a ela um desfile de corpos tonificados e danças cheias de insinuações sexuais. No processo, uma onda de influenciadores migrou de outras redes para o Instagram e TikTok, e todas as plataformas acabaram sendo governadas por esse grupo. . Sem surpresa, o dinheiro veio com ele. As redes onde você mais ganha são Instagram, TikTok e YouTube. Segundo ele, um influenciador médio, com cerca de 100 mil fãs, pode ganhar cerca de 20 mil reais por mês. Um megainfluenciador pode embolsar até R$ 600 mil por uma única campanha. É o caso de Juliette, vencedora do BBB21, que se destacou em apenas 3 meses e já conta com mais de 33 milhões de fãs no Instagram.
Julieta
Personagens monumentais comentam sobre a boa sorte dessas outras pessoas. Quanto mais dinheiro ganham, mais contratos de anúncios assinam e, no final, tornam-se ainda mais influentes. Os empregos procurados pelos jovens eram os mais comuns: jogador de futebol e piloto de avião, para acompanhar os campeões favoritos. Agora, as necessidades mudaram radicalmente.
Gabriela Pugliesi
Uma pesquisa realizada pela startup Inflr mostrou que 75% dos jovens brasileiros precisam se tornar influenciadores e 64% deles devem ser sua principal motivação. A promessa de uma renda garantida, um ímã essencial, não corresponde à realidade. Contudo. Outra pesquisa realizada pela consultoria Atlántico mostrou que 23% dos influenciadores brasileiros não ganham um centavo por seus quadros nas redes sociais; no máximo, recebem presentes de marcas. Metade do total ganha menos de 500 reais e apenas 14% embolsam mais de 2 mil reais por mês. “A tarefa exige esforço e estrutura”, diz Bruno Peres, professor da ESPM e pesquisador da USP.
Na verdade, a Internet tem o mérito inegável de oferecer dados a milhares de milhões de pessoas. É maravilhoso e, felizmente, não há como voltar atrás. Mas tem os seus pecados, como permitir que outras pessoas superficiais – os chamados influenciadores – moldem o pensamento das pessoas. gerações existentes e de longo prazo. Teremos que ter cuidado com os falsos profetas que enxameiam e fecham as portas àqueles que afirmam ser sérios.
Publicado em VEJA em 6 de julho de 2022, 2796
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