Samba da uva: Afroturismo vence no Sul

Dirigir um trator, colher uvas e depois pisar ao som do samba; Enquanto isso, vinhos da moda e culinária típica alemã. Todas essas atividades acompanhadas de histórias sobre a história do povo negro no Brasil e no Rio Grande do Sul: uma experiência multicultural. Esta é a descrição que Miriam Santiago faz do samba com uva no Sítio Rosa do Vale. A empresa familiar, localizada no município de Poço das Antas (RS), se destacou com a comercialização do afroturismo em uma região de colonização alemã, o Vale do Taquari, onde por muito tempo foram invisibilizadas histórias sobre a presença de negros.

Leia mais: Biscoito de coco babaçu pede respeito à lei que protege a atividade ancestral

“Achei que tinha que trazer, nos relatos aqui da fazenda, a história negra, que também é minha”, diz Miriam. O caminho até nascer e ter a iniciativa não foi fácil. E, neste caso, as situações exigentes nada tiveram a ver com as histórias clássicas de superação do empreendedorismo brasileiro, mas com racismo. Além disso, é uma “memória ancestral”, como ela mesma define, que lhe permitiu criar a experiência “Samba da Uva”.  

Esse charme turístico deu ao Sítio Rosa do Vale um protagonismo na nova edição do Gramado Summit, um dos maiores festivais de inovação do estado. Graças a essa iniciativa, Miriam foi convidada a participar do 2º Prêmio Afroturismo da WTM Latin America, uma das maiores feiras de turismo das Américas. No entanto, a popularidade levou tempo e a empresária enfrentou rejeições de empréstimos e reclamações sobre sua falta de habilidade ou mal-entendidos quando se tratava de turismo.

O esmagamento da uva é uma forma clássica de extrair o suco da fruta, quebrar a casca e iniciar o processo de fermentação que confere aromas para a produção de vinho e outras bebidas. No Sítio Rosa do Vale, esse procedimento é utilizado como uma forma de afro-excursionismo: sobre a identidade e a história negra. Após um passeio pela propriedade, os visitantes são convidados a caminhar sobre as uvas no meio de uma roda de samba.  

Fui pintar no turismo porque talvez eu não lide mais com questões raciais na lei. Mas quando você é negro, você não tem esse direito. Aí aprendi que o turismo aqui só promove uma história, como se não tivesse negro aqui.

Segundo Miriam, o objetivo é oferecer uma experiência de acolhimento coletivo. “Tudo o que fazemos aqui é em círculo, para que outras pessoas se vejam e se comuniquem”, explica, formado em Direito e nascido em São Paulo. Outra faceta única do círculo de parentes que as produções agroalimentares oferecem no site são os rótulos personalizados com revoluções significativas na formação do Brasil, como a Revolta de Búzios.  

“É vital que eu comece a contar minha história nos rótulos. Quem pensaria em levar a história dos búzios ou dos lanceiros negros para um espumante, se não for preto?”, questiona. O próximo passo será o lançamento de uma linha de espumantes em homenagem às brasileiras de outros setores. Embora ela esteja surpresa com os nomes, Miriam diz que eles são dois poderes sombrios. Uma gravadora será uma cantora, uma mulher de samba que pode não ser tão conhecida nacionalmente, mas sua música me emociona. Outra será uma chef, uma mulher negra na gastronomia, que também é uma potência.

Quando criança, no interior de São Paulo, Miriam sonhava em ser promotora. “A minha família tem estado ligada à agricultura, mas numa posição de classe alta. Apresentam-se como boias frias”, recorda, acrescentando que perdeu um irmão quando tinha 15 anos e trabalhava na plantação de açúcar. Depois de assistir a um juiz negro na televisão, Miriam decidiu que era uma forma de enfrentar a desigualdade e a falta de direitos trabalhistas que assolavam a vida de seu círculo familiar. .

Incentivada pelos estudos, ingressou na faculdade de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Campinas. Também enquanto estudava, Miriam conheceu a gaúcha Irani Krindges, por meio de um site de redes sociais, e em 2011 veio ao Rio Grande do Sul pela primeira vez. Um ano depois, depois de se formar, o advogado mudou-se para Valedo. Taquari e começou a correr pela área.

“Eu era advogado e meu marido trabalhava na agricultura. Mas não estava mais feliz com minha carreira e pensei: fui para a universidade para ser juiz, o que estou fazendo perdendo tempo? », descreve Miriam. Foi quando ele começou a ler para concursos judiciais. Nesse período, com a chegada de Jair Bolsonaro à presidência, foram interrompidas as convocações à Justiça do Trabalho e a ela para procurar vagas na defensoria pública.

No final do experimento, todos já estão se chamando pelo nome, o que é muito poderoso, porque no passado eles eram pessoas desconhecidas. É uma delícia para quem quer viver a vida local.

A decisão de montar um negócio na fazenda da família surgiu após o nascimento de Dandara Mariana, filha de Miriam com o marido. Com um sorriso e um olhar pensativo, Miriam conta sobre um concurso do qual iria participar no Pará. quando Dandara tinha 2 anos, e seria a primeira vez que sua filha não a aceitaria. “Foi quando eu vim com muitas coisas sobre a minha vida e fui capaz de tomar uma decisão. Eu nunca tinha sido capaz de tomar decisões. Eu fiz uma resolução. estudar direito porque foi a oportunidade que vi de mudar minha vida e ajudar minha família”, explica ela.

Miriam não deixou a prova passar e tomou a decisão de substituí-la. “Se eu fosse treinador, diria que foi uma virada na minha vida. Mas acho que teve a ver com a maternidade, o que me fez pensar no que realmente importava para mim”, afirma. A partir daí nasceu o conceito de criar o Sítio Rosa do Vale para produzir compotas e vinhos. Avó de Irani: “Se ela estivesse viva, provavelmente se oporia a que eu namorasse com ele”, acrescenta ela com irreverência.

No início, enquanto procurava investimentos para o local, Miriam encontrou racismo e preconceito. “Foi a primeira vez que meu marido teve um empréstimo negado, porque os projetos que ele apresentou por conta própria foram aceitos, somando os que ele apresentou depois”, ilustra. Nesse contexto, a empresária buscou um diferencial para o local e começou a pesquisar o afroturismo.

Ao participar de eventos turísticos na região, Miriam descobriu que ainda era a única usuária negra nesses espaços. “Fui pintar no turismo porque talvez não consiga mais lidar com problemas raciais na lei. Mas quando você é negro, “você não tem esse direito. Aí aprendi que o turismo aqui só promove uma história, como se aqui não existissem negros”, explica o autor do Sítio Rosa do Vale.

Como uma das oportunidades para começar e atrair pessoas, ele anunciou o esmagamento das uvas. No entanto, não faria sentido incluir canções italianas ou alemãs. Foi nesse momento que ele revolucionou o ritmo com a chegada do samba. Só mais tarde a empresária descobriu que essa prática poderia estar relacionada à história de Kemet, a civilização norte-africana que originou o cultivo da vinha e a produção de vinho. “Eu tinha uma memória ancestral”, diz ele.

A primeira prova urgente foi realizada em janeiro de 2023. O foco na produção de vinho veio depois, a pedido de outras pessoas que participavam de rodas de samba no local. Segundo ela, a diversidade cultural é uma das chaves da sorte do lugar, que vai muito além de uma indiscutível propriedade vinícola. “No final da festa já está todo mundo se chamando pelo nome, é muito difícil, porque são outras pessoas que antes eram estranhas. É uma delícia para quem quer viver a vida local”, enfatiza Miriam.

Ao anunciar no Poço das Antas, Joana Heckler ajudou a criar a identidade visual do Sítio Rosa do Vale e estendeu a mão para sua família participando de outras edições do samba da uva. “A coisa mais notável para mim é o fato de que ela tocou tantas outras pessoas de tantos lugares. E o fato de que essas outras pessoas também estão vivenciando algo que nunca experimentaram antes”, descreve Joana. Outro ponto destacado pela gaúcha é a imersão em outras facetas da cultura local: como a recepção com o chimarrão, os passeios de trator e a culinária. Falando do sucesso da empresa, Joana destaca o sentimento de “orgulho de ter alguém do Poço das Antas que carrega o nosso chamado Brasil”.

O sítio Rosa do Vale também foi afetado por enchentes em abril e maio no Rio Grande do Sul. Além de ter que sair do espaço por um tempo, Miriam mostra que colhe produtos como figos, bergamota (tangerina) e também videiras. uvas foram afetadas. Outro temor é a crise econômica decorrente da perda de poder aquisitivo da população gaúcha após o desastre.  

Apesar disso e do conservadorismo e do racismo que ainda persistem no avanço da iniciativa, Miriam destaca a preferência em consolidar a empresa como exemplo de afroturismo e não apenas de enoturismo ou vinícolas. É claro que a experiência de salvar a ancestralidade e a diversidade são essenciais. -ter valores para o círculo familiar do Sítio Rosa do Vale, agrícola e produtivo.

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Ela escreve sobre temas como questões ambientais e sociais, escolaridade e acessibilidade.

A ansiedade climática e a busca por informações o levaram até aqui?Receba nossa newsletter e saiba tudo relacionado à sustentabilidade e direitos humanos. É grátis.

Pense na importância de se manter informado. Quer acessar, via e-mail, um resumo de nossas notícias, textos de colunistas e reportagens especiais?Receba nossa newsletter. É grátis:)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *