A menos de 3 quilômetros do corredor municipal de Santana, cidade portuária do extremo norte do país, a Praça Fonte Nova, com seu campo de futebol, barracas de vendedores ambulantes e uma igrejinha ao fundo, já foi um animado ponto de encontro . para os cidadãos do segundo maior município do Amapá, a 17 quilômetros da capital, Macapá. Hoje está vazio: outras pessoas evitam aproximar-se do local onde ocorreram seis assassinatos em dois anos, alguns em plena luz do dia, na presença de crianças e jovens. Localizada na foz do rio Amazonas, Santana, a cidade mais violenta do Brasil, se encontra no meio do fogo cruzado entre duas gangues do sudeste, o Comando Vermelho (CV) do Rio e o Primeiro Comando da Capital (PCC). ) de São Paulo, onde se juntam a gangues locais e travam uma guerra pelo domínio territorial. Infelizmente, ele não é o único. Agindo no vácuo criado pela ausência do poder público, o crime organizado tomou conta da Amazônia, multiplicando as ameaças à selva, essencial para a biodiversidade e o equilíbrio climático do planeta, e corrompendo o maior patrimônio do Brasil no exterior. .
+ Versão em inglês: Crime organizado se espalha na Amazônia e coloca em risco a preservação das florestas
Uma das vítimas dos assassinatos em série na Praça Fonte Nova foi o vendedor Elielson da Cruz Lazané, 40, que levou cinco tiros em janeiro por um rapaz que chegou de moto e depois fugiu. Suspeita-se que ele tenha sido assassinado no lugar de um parente que a polícia acredita ter ligações com o tráfico de drogas. “Aqui vivemos com medo. Não sabemos a que horas vai aparecer um criminoso para matar alguém”, lamenta Rosana Lazané, 34 anos, irmã do vendedor. Além do medo onipresente, Santana chama a atenção para a flagrante pobreza, constante em todos os espaços governados por criminosos. Dos 107. 373 habitantes, cerca de 77 mil estão inscritos no Cadastro Único Federal, que agrupa famílias de baixa renda, e 55. 117 vivem com até 218 reais por mês. Assim como acontece nas comunidades ribeirinhas, ali se multiplicam espaços deprimentes de planícies ou pontes, como são chamadas as favelas sobre palafitas. É nessas pastas que o crime se espalha, como constata o relatório de VEJA após constante intervenção policial. Num beco da Baixada do Ambrósio, há dois anos, Ana Júlia, de 5 anos, morreu após levar um tiro na testa, em plena guerra de facções. “Eles tiraram a coisa mais vital da minha vida. É uma dor que não passa”, diz o empresário Manoel de Souza, 47, com lágrimas nos olhos.
De acordo com os últimos dados da Diretoria de Segurança Pública do Brasil, Santana registrou uma taxa de 92,9 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes em 2023, uma taxa quatro vezes superior à média nacional (22,8). O empresário Helderson do Rosário, 43 anos, diz que o irmão e o genro foram atropelados por uma viatura policial que fugia da polícia, com dois criminosos a bordo. Uma vez no chão, os dois homens foram executados por policiais. “Aqui está a violência do crime e a violência da polícia”, disse ele. Em 2023, aliás, o estado detinha o recorde de mortes por ações policiais. “Não negamos que há problemas, mas estamos concentrando nossos esforços neles”, diz o secretário de Segurança do Amapá, José Rodrigues Neto, que dobrou o efetivo em Santana (24 homens/dia) e realizou ações comuns ou consistentes operações na área. cidade. Embora o conhecimento continue a ser o melhor a nível local (trinta mortes violentas na primeira parte do ano, 25 relacionadas com o tráfico de droga), já assistimos a uma queda de 52% em relação a 2023.
O status quo do banditismo em municípios como Santana põe em risco a preservação até mesmo do maior bioma do planeta e, por extensão, a posição estratégica do Brasil na agenda global. “O longo prazo da Amazônia está mais ameaçado do que nunca”, alerta Renato Sérgio de Lima, diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. PCC e CV tornaram-se verdadeiras participações na região. Com tamanho continental e desordens na mesma proporção, a Amazônia Legal (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso) é uma caixa aberta para a expansão oportunista do tráfico de drogas, que cruzou a fronteira mundial e localidades na Bolívia e na Colômbia. “Na selva, prevalece a lei dos mais poderosos. Violentas e dotadas de poder monetário, as facções veem uma oportunidade de arrecadar capital”, explica o geógrafo Thiago Sabino, do Instituto Madre Crioula.
A lista de negócios ilícitos das gangues vai muito além do tráfico de drogas. Há vestígios de sua participação em mineração ilegal, extração de madeira, grilagem de terras e tráfico de animais, entre outros flagelos que assolam o território. De acordo com os Mapas da Violência na Amazônia De acordo com o estudo, 59% da população, ou 15,4 milhões de pessoas, vivem em espaços controlados por criminosos (ver tabela). Um total de 22 grupos, incluindo brasileiros, bolivianos, colombianos e venezuelanos, operam na Amazônia, domínio dos capangas do VC. no Rio e o PCC em São Paulo é notório: a marca de um ou de outro, raramente de ambos, está localizada em 168 das 178 cidades governadas por bandidos. Oitenta outros foram disputados, com execuções e execuções comuns, incluindo Santana. “Paralelamente aos novos negócios, a exploração de drogas no comércio varejista e a busca de novas rotas externas para o tráfico continuam avançando”, observa o sociólogo Rodrigo Chagas, da UFRR.
A primeira impressão, ao entrar na cidade mais violenta do país, é que é um lugar indefinido, pouco atraente e castigado pelo crescimento desordenado. Para as quadrilhas, no entanto, ocupa uma posição estratégica, centrada no porto de Santana, porta de entrada e saída da região amazônica, que era pouco vigiada até recentemente. Capaz de receber navios gigantes e localizado onde o Brasil está mais próximo da Europa, África, Ásia e Estados Unidos, o porto tem potencial para se tornar um centro de distribuição de cocaína, skank (maconha mais forte), armas e ouro. Somente em 2023, sua movimentação aumentou 48,1%. Outro encanto para traficantes e contrabandistas é o fato de o domínio portuário estar repleto de pequenas embarcações, vindas de toda a Amazônia, o que dificulta a passagem delas. “As operações policiais são ad hoc e não tenho forças para inspecionar passageiros e bagagens. Mas sabemos que há muitos traficantes de drogas aqui”, diz Jacqueline Andritson, gerente de um terminal de passageiros que transporta outras 2. 000 pessoas todos os dias.
A causa da expansão das gangues organizadas na Amazônia foi o assassinato, em 2016, do narcotraficante Jorge Rafaat, que controlava a “rota sul” (Paraguai-Bolívia-Brasil) e fornecia um componente gigante dos recursos e recursos do CV. o PCC. medicamentos vendidos no país amazônico. A organização paulista agiu rapidamente para tomar a posição de Rafaat e, por isso, o rio CV rumou para o norte, com os olhos postos na “rodovia Solimões”, conduzido por barcos que desciam da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia. O departamento zonal não durou muito: o PCC começou temporariamente a caminhar para o segundo caminho e há três anos acelerou o passo, motivado pela superprodução de cocaína na Colômbia e pelo enfraquecimento do combate aos crimes ambientais de Bolsonaro. administração. Foi nessa época que os criminosos, preocupados com as suspeitas levantadas pelo morador Bruno Pereira e pelo jornalista Dom Phillips sobre seus assuntos na região, contrataram assassinos para cometer suicídio, num crime que repercutiu em todo o mundo. “Houve uma transformação no crime aqui. Antes você podia entrar em qualquer lugar. Agora estão atirando na gente”, diz Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama. “Os crimes se sobrepõem. Vamos capturar ouro e localizar drogas”, acrescenta.
O confisco de ativos de alto valor e o derramamento de sangue comum expuseram a atividade de gangues na Amazônia nos últimos meses. Em junho de 2023, outras 11 pessoas foram mortas em terras indígenas Yanomani em Roraima, domínio governado pelo PCC, e quatro bandidos foram adicionados à emboscada. um avião da polícia de trânsito e o Ibama. No ano passado, após a maior apreensão de ouro da história do Amazonas – 47 quilos, avaliados em 14,9 milhões de reais – a Polícia Federal entrou em contato com membros da CV envolvidos na extração ilícita de minérios no estado e no Pará.
Junto com o emaranhado de crimes, o banditismo está se tornando mais complicado em seus métodos. Em abril, as polícias do Amapá e da PF apreenderam 154 quilos de cocaína escondidos por mergulhadores no casco de um carregamento que partia de Santana para a Europa. Estima-se que os valores transferidos por meio do tráfico de drogas no país correspondam a 4% do PIB a cada ano. A madeira extraída ilegalmente, além da madeira da África Central e do Sudeste Asiático, gera US$ 100 bilhões por ano. “É evidente que o crime usa empresas de fachada para lavar dinheiro e usa a conivência das autoridades”, disse o superintendente da PF Alexander Saraiva, que pediu demissão de seu cargo na Amazônia por denunciar irregularidades no controle do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Com 7 milhões de quilômetros quadrados, 60% deles no Brasil, a Amazônia vê o crime espalhar seus tentáculos. Além de Manaus e Macapá, onde disputa territórios com o PCC, o CV sozinho e praticamente sem restrições controla a maior parte das capitais da região. “As facções usam a lógica da máfia: onde há crime teremos que dominar”, explica o promotor Müller Marques Siqueira. Na capital paraense, mais de uma parte de seus 1,5 milhão de habitantes vive em favelas: a cidade detém o recorde desse tipo de aglomeração. VEJA visitou alguns deles e descobriu que, diferentemente do Sudeste, no máximo não há guardas armados nas entradas, mas que a movimentação dos “estrangeiros” é monitorada passo a passo por motoboys. “A presença do CV começou a ser detectada aqui em 2014 e hoje detém o monopólio do tráfico”, explica o sociólogo Roberto Magno, pesquisador do Laboratório de Geografia da Violência da UEPA.
O PCC, por sua vez, está avançando no sul do Pará e ambos os lados contribuem muito para a degradação da floresta. No ano passado, o relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) estabeleceu um detalhamento completo dos vínculos dos bandidos com os danos ambientais na Amazônia. Outro estudo, realizado por meio do Greenpeace, mostrou que somente na primeira parte do ano, foram registrados 417 hectares de desmatamento – 584 campos de futebol – em terras Kayapó, Munduruku e Yanomami, todas sob influência de traficantes. Para combater o crime, serão criadas novas diretorias da PRF, a Polícia Federal de Ferrovias e Hidrovias. A iniciativa está alinhada ao plano AMAS do governo para prevenção e fiscalização na região, dotado de R$ 2 bilhões. de investimento. ” Combater a disseminação do crime organizado é a nossa prioridade”, disse Humberto Barros, diretor de Amazônia e Meio Ambiente da PF. Um passo essencial – e urgente – para garantir que a maior reserva ambiental do planeta seja terra de ninguém.
Publicado em VEJA em 16 de Agosto de 2024, 2906
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