Chiquitanos pela demarcação de terras na fronteira entre Mato Grosso e Bolívia

Pouco mais de 14 anos depois de serem oficialmente identificados como organização étnica indígena no Brasil, os Chiquitanos lutam pela demarcação de terras na fronteira entre Mato Grosso e Bolívia. O tráfico, a queima, a violência, o despejo e a exploração por parte dos agricultores e a negação de popularidade pelos governos locais ameaçam os povos indígenas. Na região transfronteiriça, os Chiquitanos ocupam a terra indígena Portal do Encantado, um território de 43 mil hectares, e denunciam constantes ameaças de despejo por parte de latifundiários e até mesmo do governo da região.

No Brasil, os chiquitanos vivem nos municípios de Vila Bela da Santíssima Trindade, Cáceres, Pontes e Lacerda e Porto Esperidião. No lado boliviano, ocupam o departamento de Santa Cruz, nas províncias Nuflo de Chavez, Velasco, Chiquitos e Sandoval. “Nosso povo foi reconhecido recentemente, para nós não existia essa questão de Brasil e Bolívia. Meus avós sempre moraram no mesmo lugar, meu avô trabalhava nas fazendas ao redor e construiu família lá. Desde o reconhecimento oficial, nosso objetivo é proteger nosso lugar, e por isso a demarcação é essencial”, enfatiza assistente social e líder chiquitano José Parava.

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De acordo com levantamento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2023, residem pelo menos 103 famílias na Terra Indígena Portal do Encantado, distribuídas nas aldeias Fazendinha, Acorizal, Nautukirs Pisiors (Aroeira Florida), Paama Mastakama (Lua Nova) e Nochoporo Matupama (Mata Virgem) e Vila Nova Barbecho. De acordo com os próprios indígenas, quase 500 chiquitanos moram nas aldeias; a Funai estima que mais de dois indígenas da etnia vivem na periferia dos municípios da região. Na Bolívia, são pelo menos 80 mil chiquitanos – a língua chiquito é a quarta língua indígena mais falada da Bolívia, depois do quéchua, do aimará e do chiriguano.

Apesar de sua antiga presença na região e de serem oficialmente indígenas em ambos os lados da fronteira onde residem, os Chiquitanos enfrentam resistência dos governos locais que os reconhecem como indígenas, uma vez que o decreto declaratório de 31/12/2010 do Ministério da Justiça estabeleceu as barreiras da terra indígena Terra do Encantando, vendo o comércio através dos Chiquitanos, um passo básico para a demarcação. Lideranças indígenas, porém, reclamam que, passados ​​pouco mais de 14 anos, a Funai ainda não fez uma demarcação física para que o território seja homologado definitivamente.

O trabalho de demarcação, lento, encontrou oposição das autoridades locais. Em audiência pública na Câmara dos Deputados em outubro de 2023, o prefeito de Vila Bela da Santíssima Trindade, Jacob André Bringsken (MDB), se manifestou contra as mudanças. da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) na demarcação de terras na região de fronteira.

Reeleito nas eleições municipais de 2024, o prefeito alega que não há tribos no domínio e que o procedimento de demarcação prejudicaria a produção agrícola da comuna. É ridículo criar espaços de reserva onde não há índios. Temos vários outros clássicos bolivianos que chegaram há muito tempo com suas famílias, mas que não são indígenas nem mesmo em seu país de origem. A Funai precisa criar índios em nossa fronteira para impedir nossa produção”, disse Bringsken na sessão.

Em vídeo institucional da Câmara Municipal, divulgado em 2024, ele reafirmou que não considera os Chiquitanos indígenas. “Sou radicalmente contrário à política da Funai, que precisa transformar o povo chiquitano, que é tradicional, em brasileiro”. Índios. Isso é um grande retrocesso, porque ele deixa de ser cidadão brasileiro e passa a ficar sob a tutela da Funai, sem direito de produzir e sem direito de possuir suas terras”, argumentou Bringsken.

A fala do prefeito de Vila Bela da Santíssima Trindade foi recebida com nota de repúdio da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt). “Além de divulgar dados falsos sobre as demarcações e o papel da Funai na cobertura de outros povos indígenas, as declarações e posicionamento do prefeito de Vila Bela são discriminatórios e exigem nossa manifestação de repúdio e indignação. e lutam há muitos anos pelo seu território, uma guerra que, infelizmente, já causou a morte dos seus líderes”, afirma a nota.

Nas aldeias, os chiquitanos mantém roças com a plantação de milho, abóbora, mamão, jiló, laranja, limão, banana, acerola e jabuticaba – entre outros cultivos – além da criação de galinhas e porcos. Na Aldeia Vila Nova Barbecho, funciona a Escola Estadual Indígena Chiquitano José Turíbio, que serve ainda de espaço para atendimento médico e odontológico, ensaios de uma orquestra indígena, reuniões e oficinas de capacitação.

Em 2024, a propagação dos incêndios no Mato Grosso, fenômeno que afetou a maioria dos estados brasileiros, que enfrentam uma seca histórica, alimentou mais uma vez os ataques das autoridades contra as populações indígenas. Embora dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas mostrem que 85% dos incêndios ocorreram em bens pessoais, o governo e setores ligados ao agronegócio negam a participação dos agricultores nas queimadas. De acordo com o relatório do ICV sobre a caracterização do domínio atingido por incêndios na região de Mato Grosso, há predomínio de chaminés em residências rurais particulares e em regiões não cadastradas, que juntas representaram 60% do domínio atingido em 2024. A questão é que o uso de chaminés em práticas agrícolas, para “desmatar” regiões florestais recentemente desmatadas ou matar a vegetação local.

O governador do estado do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), e o prefeito de Vila Bela da Santíssima Trindade, no entanto, afirmaram, sem apresentar provas, que grande parte das queimadas veio de terras indígenas. “Os produtores não têm nada a ver com isso, pelo contrário, cuidam e protegem a terra e perdem muito com os incêndios. Acho que a lei terá que ser mais rígida para barrar o incêndio que já afetou os parques e usinas do nosso município”, disse o prefeito André Bringsken, em entrevista ao jornalista.

Segundo a Fepoimt, 41 terras indígenas foram afetadas pelas queimadas no estado, incluindo a Terra Indígena Portal do Encantado. O líder chuiquitano José Parava relata que muitos templos sagrados foram destruídos pelas chamas e que o fluxo dos rios diminuiu. Ele destaca que a falta de popularidade das terras indígenas prejudica a aptidão da comunidade. As dificuldades das populações indígenas são ainda agravadas pelos efeitos das queimadas, que prejudicaram dados tanto no Mato Grosso quanto no país vizinho.

Cercados pela fumaça, os Chiquitanos lutam para ter acesso a cuidados médicos. “Os cuidados de saúde para as populações indígenas são um desafio alarmante além-fronteiras e mesmo para além das fronteiras. Algumas outras pessoas da rede pública não nos reconhecem como cidadãos e hesitam em nos ajudar, até mesmo com o Ministério da Saúde Indígena. Ainda estamos expostos. Os municípios terão que ser responsabilizados”, afirma Parava.

O líder indígena afirma que proprietários de terras ao redor das aldeias ainda exploram chiquitanos como mão de obra barata – o trabalho mal remunerado é recorrente há décadas. “Meus avós não foram só explorados pelos fazendeiros, mas também pelo Exército brasileiro. O Destacamento Militar de Fortuna, sede do Exército, ficava dentro do nosso território e eles acreditavam que o povo chiquitano deveria trabalhar para ganhar apenas refeição”, aponta.

Para o líder chiquitano, as políticas públicas terão que ter como objetivo a manutenção da população e dos biomas. “Os povos indígenas estão resistindo a muitas situações difíceis e não apenas lutando por si mesmos. Meu avô dizia que a natureza dá, mas também tira. Teremos que cuidar do meio ambiente; “Respiramos o mesmo ar”, enfatiza.

O coordenador do Centro de Inteligência Territorial do ICV, Vinicius Silgueiro, também defende que as fiscalizações terão que ser intensificadas para implicar em devastação ambiental. “A região do Mato Grosso é essencial no combate à crise climática, pois ao mesmo tempo em que é a sede do agronegócio, é também o único estado com o Cerrado, o Pantanal e a Amazônia e com mais de 40 povos indígenas. Por isso acredito que a solução para manter o estado da floresta está no Mato Grosso”, diz Silgueiro.

Ameaças na fronteira

A localização na fronteira com a Bolívia aumenta as ameaças aos chiquitanos – como a outros povos indígenas da região. A fronteira tem cerca de 730 quilômetros de extensão, grande parte terrestre. A agente da Polícia Rodoviária Tederal Andréa Corrêa, que atua nesta região de Mato Grosso, afirma que o maior desafio no monitoramento da fronteira são as diversas rotas clandestinas e estradas de fazendas. O fluxo constante de bolivianos e as características geográficas favorecem o tráfico, em solo e por via aérea. “Além do tráfico de drogas, enfrentamos também o de mercadorias falsificadas”, aponta a policial.

O controle da travessia é muito difícil. “Aqui, os bolivianos entram e saem da cidade com frequência. Eles fazem compras nos supermercados, levam bebidas, água mineral e mantimentos. Usam inclusive o serviço público: ambulâncias vêm da Bolívia todo dia para trazer pacientes grávidas e pessoas feridas em acidente”, explica a agente da PRF.

Em agosto de 2020, 4 indígenas chiquitanos, de villos angelesges bolivianos, voltavam de uma caçada quando foram assassinados em uma ação do Grupo Especial de Fronteira (Gefron), da Polícia Militar de Mato Grosso, em um trecho da fronteira próximo a San José. de Los Angeles Frontera, Bolívia. Gefron disse que a organização era formada por traficantes e houve troca de tiros, mas nenhum policial ficou ferido e nenhuma droga foi apreendida. Os anjos de Paulo Pedraza Chore, Ezequiel Pedraza Tosube, Yonas Pedraza Tosube e Arcindo Sumbre García fecharam angelesim que os corpos apresentavam sintomas de tortura e, há mais de 4 anos, os anjos continuam pedindo investigação.

*Relatório elaborado sob orientação do professor Chico Otávio, no Laboratório de Jornalismo 1 do curso de Jornalismo da PUC-Rio.

Ana Tonelli é mato-grossense e estuda jornalismo na PUC-Rio. Tem grande interesse pela cobertura jornalística ambiental, cultural e local. Atualmente é estagiária no SBT, atuando na produção de reportagens e pautas

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